Desde "A Chegada do Trem", realizado e exibido em sessões privadas pelos irmãos Lumiére, que retratava, pela imagem em movimento, tão somente um trem chegando a uma estação, o cinema deixou claro seu poder de impactar os sentidos do espectador pelo estabelecimento de uma mise en scene, ainda que precária, na qual as pessoas pudessem imergir.
Mais de 120 anos após esse evento, travada toda sorte de debate acerca da linguagem cinematográfica em todos os seus aspectos, atravessado mais de um século de discussões e construções voltadas a conferir àquilo que era apenas imagem em movimento verdadeira autonomia, é interessante - e não necessariamente negativo - notar como a trajetória do cinema e do trem dos Lumiére ainda se cruza de tempos em tempos. E a aclamação geral a "Dunkirk" só pode se dever a isso, dada a grandiosidade audiovisual do projeto.
O primeiro filme baseado em eventos históricos de Nolan atira o espectador direto na praia de Dunkirk, onde, durante a Segunda Guerra Mundial, centenas de milhares de soldados britânicos e franceses - embora o foco, aqui, sejam os primeiros - se encontram encurralados pelas forças inimigas. Surge o letreiro que situa o filme no tempo e espaço e, imediatamente, lá estamos nós, acompanhando, em três núcleos que se dilatam e se comprimem no tempo de maneira engenhosa, porém gratuita, a experiência dos britânicos em três frentes que abordam o evento: a primeira trata dos soldados que estão presos na praia; a segunda, de civis britânicos que envidarão esforços para resgatar os soldados; a terceira, por fim, de um piloto de caça que tentará viabilizar o resgate.
Estabelecidos brevemente a premissa e os tempos narrativos, Nolan aposta 100% no pobre artifício da identificação do público com as personagens pelo só fato de aquelas pessoas, e não outras quaisquer, estarem na tela e passa a investir num arremedo de cinema direto no qual bombardeios, sequências de ação e "tempos fortes", em geral, mesmo sendo de admirável realização, isolada e objetivamente considerados, se sucedem na tela de forma quase ininterrupta, pontuados pela trilha em constante crescendo de Hans Zimmer, que, se por um lado se imiscui de maneira orgânica com os sons diegéticos do filme, por outro é excessivamente intrusiva. De alguma forma, os realizadores de "Dunkirk" parecem ignorar que, se ao espectador não é dado respirar por mais do que 5 segundos sem o ressonar de cordas e/ou percussões na cabeça - é sério, eu contei -, as tentativas de criar tensão se tornam banais.
Seria possível, porém, com alguma boa vontade, argumentar que o filme de Nolan não é voltado às questões das personagens, perdoando-se a absoluta falta de dimensão da maioria delas. O problema é que, se visto como uma obra sobre o fenômeno da guerra, em si, "Dunkirk" é absolutamente estéril e não dá espaço para o mínimo de contemplação no meio dos seus quase 100 minutos de sucessivos clímaces, pelo que acaba empalidecendo diante de filmes que cuidaram do tema sob as mais diversas perspectivas.
Se visto, por outro lado, não como um filme "de guerra", mas apenas como uma espécie de simulador de sobrevivência "na guerra", o filme de Nolan, aí, sim, é funcional para quem compra o já abordado artifício de identificação com as personagens, mesmo com seu ritmo atropelado.
De um modo ou de outro, "Dunkirk", em sua substância, seja qual for o viés por que se o analise, nunca vai além do medíocre e guarda a cereja do bolo para o desfecho, inserindo, como que numa tentativa de justificar a existência do filme para o público, um sentimentalismo triunfalista piegas ao extremo, que, além de não casar com a pegada crua, direta e naturalista proposta no restante da narrativa, soa totalmente artificial, passeando por clichés que vão desde o heroísmo do homem comum até a comiseração de um soldado - postura incoerente com sua persona, por sinal - antes de ser aclamado pelo povo.
Se o cinema, como disse Nicholas Ray, é a melodia do olhar, "Dunkirk" é um disco arranhado tocando bem alto em looping contínuo.
O pior filme do inglês, disparado.
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