O cinema iraniano é conhecido por seus filmes que retratam a vida muçulmana, na qual questões sociais e políticas são abordadas de maneira dramática e realista. Ana Lily Amirpour entrega um longa totalmente diferente, tão obscuro e significativo quanto a grande parte dos filmes do país, mas com a fantasia, exageros e atmosfera de produções tradicionais do gênero terror, que hoje não fazem mais sucesso no popular, mas que nas décadas de setenta e oitenta fizeram. Podemos até classificá-lo como uma contracultura para o cinema iraniano.
O filme acontece na imaginária cidade iraniana chamada "Cidade do Mal", lar de prostitutas, traficantes, drogados, cafetões e outras almas sórdidas, onde os valores humanos foram esquecidos e o que governa é o dinheiro, corrupção, extrema misoginia e o petróleo. As refinarias de petróleo é a única indústria legítima. Entretanto, podemos perceber que com o dinheiro que essa indústria gera, atividades ilegais são financiadas.
No início, acompanhamos Arash fumando um cigarro, ao avistar um gato, pega-o e o leva - animal que terá grande importância para o desfecho -. No caminho de ida ao carro, um menino, aparentemente pobre, o para pedindo uns trocados, Arash fala que não tem nada e entra em seu carro, um carro relativamente antigo, porém luxuoso e bastante conservado. O garoto questiona Arash não ter nem uma esmola, sendo que ele tem esse carro e que deve ter custado caro. O protagonista diz que trabalhou dois mil cento e noventa e um dias para compra-lo, ele liga o carro e sai.
Após a introdução - que é de suma importância para as sequências seguintes - somos apresentados ao pai de Arash. Hossein, um pobre e doente viciado em drogas, que depende do filho para viver e sustentar o seu vício. Saeed, o grande traficante/cafetão da cidade, que se apossa do carro de Arash como forma de pagamento da dívida de seu pai. Atti, uma prostituta de trinta anos, que tem um sonho "ousado" de se mudar para outro país e, por isso, está juntando o máximo de dinheiro possível. E A Moça, uma estranha mulher, amante de música, vestida com uma burca preta, com uma forte maquiagem e uma fisionomia séria.
Apesar do longa ser algo único no cinema iraniano, fica claro que a diretora se influenciou nos trabalhos de Jim Jarmusch "Only Lovers Left Alive" aka. "Amantes Eternos" e de Tomas Alfredson "Låt Den Rätte Komma In" aka. "Deixa Ela Entrar". Uma estética atípica e um romance incomum em uma atmosfera obscura, cheia de crimes e prostituição.
A qualidade cinematográfica dos dois filmes citados são excelentes e "A Girl Walks Home Alone at Night" não fica atrás. A fotografia é bem pensada e construída com um lindo preto e branco. Os ângulos das filmagens das cenas internas, forçam um sensação perigosa e claustrofóbica, os ângulos externos forçam uma sensação de liberdade à juventude iraniana, porém com o julgamento político em cima, o que os remetem a cometer delitos como venda de drogas, cafetinagem, roubo e assassinato.
As atuações são impecáveis, talvez junto com a trilha sonora, o lado mais positivo do filme. Sheila Vand, que interpreta A Moça, consegue passar toda sua tensão e raiva dessa sociedade iraniana. Arash Marandi, que interpreta Arash, também atua de maneira convincente, conseguindo passar uma certa ingenuidade e um esforço - em vão - para ser aceito e respeitado. As partes de terror são muito bem dirigidas, a tensão das mesmas aumentam com uma trilha sonora combinativa. Também fazem parte da trilha sonora: músicas contemporâneas como Indie Rock, Pop e algumas músicas iranianas que, certamente, ajudam a construir a atmosfera.
Em alguns momentos, enquanto assistia, me perguntei: em que época se passa a história? A data nunca é falada no filme e a diretora, unindo o clássico com o contemporâneo, ilustra uma ambiguidade temporal, que não só tem como propósito definir a representação visual do filme, mas também se encaixa como uma crítica ao desenvolvimento social lento.
Se você está na dúvida em assisti-lo, digo que vale a pena, é uma experiência única, que conta com um roteiro bem desenvolvido e uma história contada de forma objetiva e, mesmo não tendo uma premissa original, ele consegue criar sua própria identidade. Apesar de ter algumas falhas, como o ato final, que deixa algumas pontas desnecessariamente soltas, é entregue uma obra redonda e densa.
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