Filme tocante, ao mesmo tempo que impactante. Farhadi, tal como fez em A Separação, consegue tratar de temas profundos e muito graves para a sociedade atual - especialmente a sociedade muçulmana, cada vez mais presente na realidade ocidental. O interessante, porém, é o fato de que consegue se debruçar sobre tais temas - como estupro, aborto, divórcio - sem que seja apresentada ao espectador uma narrativa extremamente pesada, presa aos fatos. Farhadi faz isso com O apartamento. Não é o que aconteceu à personagem principal, a violência por ela sofrida, que acaba pesando mais. Mas, sim, como ela vive isso, bem como seu marido. Conduzir uma narrativa desta maneira, com uma câmera na mão, parece fácil, contudo, em um mundo de obviedades, em que o explícito se torna cada vez mais essencial como forma de conduzir as emoções dos espectadores, é algo extremamente difícil, feito com maestria pelo diretor.
Destaco a narrativa paralela de A morte do caixeiro viajante, de Arthur Miller. Como se nota, ao longo do filme, a vida dos atores afetada pela violência impacta inclusive na ação teatral. Ou seja, em minha opinião Farhadi demonstra a impossibilidade de se forjar, de se fingir que está tudo bem quando se tem graves problemas que assolam a sociedade como um todo - ainda mais uma sociedade guiada pela paz, como a islâmica. Não é possível interpretar, abstrair da realidade, das vidas particulares, pois tais questões, imprescindíveis para a condução das relações sociais, fazem-se presentes de maneira constante.
Outro ponto importante é o de que o autor do ato de violência, ao final, se mostra uma pessoa miserável. Farhadi quase que consegue extrair pena do espectador, em relação ao homem que estuprou a jovem. É impressionante - ainda mais em tempos em que se diz que bandido bom é bandido morto. Ao final, o estuprador é vítima de seu próprio ato, bem como a vítima, que causa a sua morte repentina ao pressioná-lo tanto diante de sua família - e dos valores morais ali presentes - torna-se o algoz. Não estamos imunes à constante inversão de papeis permanente na sociedade, pois, quando acusamos, nos tornamos um tipo de vilão. Ah, detalhe, é óbvio que o estuprador teria de morrer, pois, como insinuou Farhadi, ele não seria capaz de interpretar diante de sua família.
Enfim, um filme grande. Um filme feito para os ocidentais.
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