Imagine-se dentro de uma prisão, onde por mais que você grite ou se debata contra as grades ninguém o ouve. Agora, mesmo que pareça surreal, imagine que essa prisão é o seu próprio corpo – uma fortaleza hermética e impenetrável – e sua mente está presa nela. Presa em termos, pois enquanto o corpo vegeta em nosso mundo material, a mente galga as paisagens mais incríveis e os pontos mais bucólicos da Terra.
Literalmente é isso que acontece com Jean-Dominique Bauby, o diretor chefe de redação da revista Elle, que em dezembro de 1995 tem sua liberdade de fala e de locomoção tolhidas por um A.V.C. ( Acidente Vascular Cerebral ). Essa fatalidade o confina a um estado letárgico chamado de Síndrome Locked-in ( Trancado por dentro ). O filme retrata muito bem o desespero do protagonista frente a tal mazela que o priva do contato social, e as cenas paralelas que mostram um mergulhador em desespero dentro de um pesado escafandro em meio a águas turvas complementam e metaforizam a idéia da síndrome.
Inicialmente, o personagem mantém uma postura de inconformação e pessimismo em relação a seu estado físico e a deterioração de suas funções motoras, já que ele perdera todo o glamour de outrora e só lhe restara encarar o mundo com apenas um olho e sem nenhum movimento. Psicologicamente, o ego de Jean-Do fora brutalmente machucado pela brutal fatalidade.
Porém esse empecilho não foi o bastante para assolar a obstinação de Jean-Do, pois com o auxílio de sua família, de amigos e principalmente com um fantástico método de comunicação desenvolvido pela simpática logopeda do hospital, literalmente, pontes e elos são estabelecidos entre o paciente e o mundo exterior. Alicerçado nessa simples, porém enfadonha técnica, ele parte para a difícil tarefa de escrever um livro que traduza seus sentimentos e pesares.
A utilização da câmera é um espetáculo à parte, pois ao invés de focalizar o paciente apenas exteriormente, a produção tenta nos mostrar a vida do mesmo sob um prisma quase desprezado pela medicina : O modo de ver o problema pelos olhos do enfermo. O espectador é levado a ver e sentir-se como o paciente que acorda do coma e está espantado frente à movimentação em seu quarto. Durante os primeiros minutos, a utilização desse recurso nos causa uma certa agonia, principalmente no momento em que o olho esquerdo de Bauby é suturado, pois há a sensação de que o nosso próprio olho está sofrendo tal procedimento. A câmera é posicionada para vermos o que o paciente vê em seu diminuto campo visual.
Sinceramente não consigo enxergar a possibilidade de outro ator ( como Johnny Depp que foi cotado para o papel, mas recusou-o devido o começo das gravações de “Piratas do Caribe – No fim do mundo” ) assumir a interpretação além de Mathieu Amalric, que está impecável ao reconstruir tanto a personalidade criativa quanto a fisionomia estática de Jean Dominique. Sua atuação é grandiosa e repleta de sentimentos, vimos como o ator se entrega à construção do personagem.
Um dos principais motivos para o sucesso da produção chama-se Junusz Kaminski, um experiente fotógrafo polonês que foi capaz de retratar lindamente o mundo interior do protagonista – repleto de questionamentos existenciais referentes aos pequenos erros de sua vida. Com um trabalho baseado em closes e utilizando cores fortes, vivas e brilhantes para representar as locações, o resultado só poderia ser esplendoroso, pois confere uma certa subjetividade à câmera.
Com toda essa gama de profissionais trabalhando e se esmerando ao máximo, “O Escafandro e a Borboleta” arrebatou prêmios em diversos festivais de cinema ao redor do mundo ( como Cannes – Melhor diretor; 2 Globos de Ouro – Melhor filme e melhor diretor ), além de 4 indicações ao Oscar.
Jean-Do nos dá uma lição de vida com o modo como lida com seu grave quadro clínico, ele é capaz de nos fazer refletir e repensar nossos valores. E depois de assistir toda a sofrida peleja de Bauby, uma frase de Sherlock Holmes me vem a mente : “Os caminhos do destino realmente são difíceis de compreender. Se não houver recompensa depois da vida, então o mundo é apenas uma brincadeira cruel.”
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