O consagrado diretor Milos Forman ( responsável por filmes como “Um Estranho no Ninho” e “O Mundo de Andy” ) recriou todo o ambiente palaciano ostensivo da época clássica vienense ( para isso as tomadas foram gravadas em Praga, o figurino e a maquiagem remontam a tal época ), lugar onde reis e imperadores exerciam o papel de mecenas ao “patrocinar” o trabalho de músicos, pintores e artistas em geral.
Do modo como a narrativa discorre, podemos ver tudo a partir da visão de Salieri - enraivecido com Deus por ter concedido uma benção maior à um moleque brincalhão – enquanto conversa com o padre e com o espectador.
Não sei se foi proposital, mas o centro do filme fora ligeiramente deslocado para a figura de Salieri, um músico italiano cujo trabalho estava a serviço do imperador de Viena, porém sua música fora subestimada e quase esquecida perante as inovações do prodigioso garoto. Salieri admirava profundamente as obras de Mozart, muitas vezes incompreendidas pelo público. Fato este que motiva o músico italiano a nutrir um sentimento de inveja para com o dom do compositor austríaco, pois aquilo era tudo o que ele sempre quisera e sempre pedira à Deus, mas Ele nunca o escutara e preferira abençoar com aquela enorme habilidade musical um jovem desregrado. Essa ambígua dualidade de sentimentos confere um ar de sutileza ao personagem brilhantemente interpretado por F. Murray Abraham; pois mesmo alimentando uma inveja mortal pela música do concorrente, acabava se rendendo à genialidade de tais melodias.
Sob minha interpretação, Forman tentou humanizar o já divinizado Mozart. Ele conseguiu mostrar um Mozart beberrão, bastante brincalhão, beirando o caricato e dono de uma risada um tanto exagerada que, ao ter seus interesses contrariados, liberava toda a sua fúria na forma de arrogância e petulância responsáveis por “inflar” o seu ego. Diga-se de passagem, a inteligência exacerbada é sempre precursora de uma arrogância sem limites.
O Mozart que nasceu com uma capacidade intelectual esplendidamente superior a meros mortais – capaz até de possuir ligações com o inconsciente coletivo da espécie humana – aqui é retratado como alguém que desde cedo recebeu os incentivos certos por intermédio de seu pai, que não era um gênio, porém fez com que o cérebro do filho fosse estimulado na melhor fase de aprendizagem da vida : a infância. Isso mostra que crianças que nascem com um intelecto avançado, só conseguirão desenvolvê-lo se existir estímulos externos, principalmente por parte dos pais e de pessoas próximas. Fato que quebra aquele errôneo pensamento de que os grandes gênios já nascem sabendo de tudo.
O roteiro explicita o impacto que as obras de Mozart causaram ao grande público que não se acostumavam com suas técnicas inovadoras. Toda grande mente que se encontra à frente de seu tempo em uma posição de vanguarda, sempre é discriminada por pessoas de visão curta. Mas o tempo se encarrega de imortalizá-los.
O filme é fruto do casamento de idéias esplêndidas compondo um roteiro bem organizado; uma impecável direção de arte; uma trilha sonora tão grandiosa, que chega a se transformar em um importantíssimo integrante da trama; personagens esféricos e bem desenvolvidos graças ao brilhantismo das atuações. Tudo isso culmina em uma arrebatadora obra prima comandada pela batuta de Milos Forman – que aliás, se tornou um dos “monstros sagrados” do cinema mundial e um dos maiores no ramo da cine-biografia.
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