Uma geração vae-se, outra vem; mas terra é sempre terra.
É com essa citação retirada da bíblia que começa essa que foi a segunda produção da Vera Cruz.
O não era o de 1951. Os estúdios da Cia. Cinematográfica Vera Cruz testava prestes a fazer dois anos de vida quando lançou esse Terra é sempre Terra. O filme usa boa parte da equipe que trabalhou no primeiro projeto do estúdio, Caiçara do ano anterior. Parte do elenco da primeira produção está neste filme. Mário Sérgio e Elaine Lage que aqui faz um participação que em nada ou quase nada ajuda no desenvolvimento da narrativa que nos trancos e barrancos nos guia numa trama recheada pela esperteza e os perigosos vícios humanos.
A produção leva o nome do ilustre cineasta brasileiro Alberto Cavalcante que vindo da Europa foi contratado pela Vera Cruz para ser seu produtor geral. Zampari que era o todo poderoso chefe do estúdio no começo deu carta branca para o cineasta fazer o que ele queria. Na verdade, Zampari só deu carta branca para Cavalcante porque o cineasta era consagrado na Europa e ter alguém do porte do seu nome em seu estúdio seria algo se grande valor artístico e empresarial.
Terra é sempre Terra foi escolhida para ser a segunda produção do estúdio. Cavalcante queria fazer uma cinebiografia de Noel Rosa com o nome de Escravo da Noite, porém, a tal carta branca dada ao cineasta não adiantaria de nada. Alberto Cavalcante mandava e Zampari desmandava. Isso só trouxe brigas entre o cineasta e a direção do estúdio e que culminou com a saída de Alberto Cavalcante do estúdio meses depois desse Terra é sempre Terra.
O filme iniciou com a direção de Rugerro Jacobbi, mas este acabou se demandando para o estúdio concorrente, a Maristela, que naquele momento estava nascendo como um opção ao projeto Vera Cruz. A direção ficou à cargo do argentino Tom Payne. Payne era inexperiente no cinema. Tom Payne acabaria se casando com uma das grandes estrelas do estúdio: Eliane Lage.
O enredo é este:
Tonico, O capataz da Fazenda que leva o nome de Paiol Velho, despreza sua mulher mais jovem do que ele. Tonico rouba na colheita de café da patroa, que manda seu filho inspecionar a fazenda. Porém o filho é um jogador viciado em Pif-Paf e outros jogos de carta. O rapaz perde todo o dinheiro que tinha, incluindo o pagamento dos peões, no carteado, ficando endividado. Tonico então se oferece para comprar a fazenda e, assim, liquidar sua dívida de jogo, mas algo acontece entre o filho da patroa e a mulher do capataz.
O roteiro do filme é baseado numa peça de Abílio Pereira de Almeida de nome Paiol Velho. Abílio faz Tonico na versão cinematográfica.
Terra é sempre Terra é um filme bem superior ao que o cinema brasileiro produzia na época. Mas mesmo assim peca em certos quesitos.
Guilherme de Almeida é responsável pelos diálogos e consequentemente pelo roteiro que se mostra muito pouco funcional. Todos os personagens mereciam ser melhor explorados. O que temos na tela é uma história sem liga e morna. Guerra Peixe é o maestro responsável pela trilha que aqui é executada com maestria pela Orquestra de São Paulo. Parte da trilha foi usada em um documentário de media-metragem da Vera Cruz, intitulado como: Novas Obras.
A muito boa fotografia fica a cargo do sempre excelente Chick Fowle. A edição tem como nome o de Oswald Hafenrichter - indicado ao Oscar por O Terceiro Homem de 1949.
O filme é composto por duas canções. Nem Eu, que aqui é cantada pelo próprio compositor: Dorival Caymmi. Esta canção toca algumas vezes no filme. Algo desnecessário. E Qual o que, de autoria de Jucata e Guio de Moraes e é cantada por Alberto Ruschel - que se tornaria um dos maiores galãs do estúdio.
O elenco é bom, mas dou destaque à ótima Ruth de Souza que apesar de ter um papel medíocre e pequeno nós presenteia com uma deliciosa performance e de Salvador Daki que compõe um personagem na medida.
Estréia no cinema de Marisa Prado que foi descoberta nos escritórios da Vera Cruz. Marisa era datilografa. A máquina publicitária do estúdio a apelidou de a Cinderela da Vera Cruz. Marisa faria outros filmes na Vera Cruz e também no exterior. Morreu em condições misteriosas no Oriente. Mário Sérgio vindo de Caiçara, novamente faz o papel de galã na fita no papel de João Carlos.
O filme acabou faturando mais de dez prêmios dentre os quais: o Saci e o Prêmio Governador do Estado.
Algumas cenas são relevantes em serem citadas: o incêndio no canavial que nos apresenta uma fotografia e dinâmica muito boa. Segundo algumas informações, essa cena teria um dedo de Alberto Cavalcante. Aliás, o produtor achava que Tom Payne não tinha mão firme para ser diretor. A cena da chegada da família no Paiol Velho. Os trabalhadores fabricando ferramentas. O banho do casal numa Lagoa e a cena em que Tonico descobre que a mulher está esperando um filho do patrão - cena essa é digna de está ao lado das grandes cenas da cinematográfica brasileira.
O final apesar de claro, é pouco eficiente já que a fita termina de forma grosseira e sem "sabor" algum.
Terra é sempre terra apresenta uma técnica muito à frente do que o cinema brasileiro apresentava. Mas cinema não é só isso. Cinema é entretenimento e arte. Cinema não é feito só para passatempos e sim também para reflexão. Além de técnica, um filme necessita de um elenco afiado, uma direção eficiente e um roteiro que nos possibilite embarcar no enredo. Terra é sempre terra faz isso parcialmente. Está longe de ser um desastre e distante de ser uma obra prima. Na verdade é um filme que busca seu lugar dentre a cinematográfica brasileira. Um filme que encontrando o seu justo lugar será condenado ou absolvido pelo tempo que é o senhor de todas as respostas e só assim terá cunha de clássico ou não.
O seu texto tem informações que eu desconhecia, a começar pela origem da frase que dá nome ao filme. Muito interessante. Curioso saber que Marisa Prado era datilógrafa. Outra curiosidade que desconhecia era que o editor concorreu ao Oscar. Lamentável Escravo da Noite não ter saído do papel. A Vera Cruz merecia um filme. São tantas informações valiosas. Acho que o seu texto peca apenas em alguns erros (poucos) de português, talvez seja até erro de digitação. Mas o que mais me incomodou foi a sua tentativa de desqualificar o filme por detalhes que discorda. Veja bem, Eliane Lage estava assistindo às filmagens e foi convidada a fazer uma ponta. Acho a presença dela relevante, pena que foi curta. A opção pela música de Caymmi é uma escolha de quem assina a obra. Isso não compromete o andamento da trama. Outra coisa é o final, que você não gostou, mas é deslumbrante e difícil de fazer na época. Falo da iluminação. Penso que passados quase 70 anos, não há mais o que questionar: é clássico!