Com um título aparentemente desconexo do roteiro, Galáxias não é um documentário sobre astronomia, mas sobre bibliotecas comunitárias. Provavelmente quiseram criar uma relação da imensidão do Universo com a grande quantidade de conhecimento que uma biblioteca pode proporcionar. E as galáxias do título se referem a cada uma das histórias sobre cidadãos que criaram bibliotecas públicas em suas comunidades, tema do documentário.
Assim, descobrimos o maior erro deste projeto: a premissa equivocada de que as bibliotecas podem salvar o mundo. Mas não é apenas este o equívoco, pois existe outro também importante e mais sutil de se perceber para quem assiste, que é o marketing pessoal disfarçado de supostas boas ações.
Existe um mito ao redor dos livros, de que eles fazem milagres. Não é bem assim. Primeiramente porque o que faz mesmo diferença na vida das pessoas é a educação, principalmente a familiar (moral) e a acadêmica (escolar). E o livro é apenas uma das fontes desse conhecimento acadêmico. Mesmo que seja a principal fonte, na maioria das vezes as obras são estudadas de maneira fragmentada. E nem todos os livros são bons, bem ao contrário, aliás. Portanto, não adianta criar bibliotecas quando o que é mais importante é criar escolas, e uma escola que preste, invariavelmente possuirá uma boa biblioteca. São as escolas com seu estudo sistematizado que formam cidadãos e profissionais, caso das escolas profissionalizantes ou Universidades. Este é um fato já consagrado na história da humanidade. Uma pessoa pode entrar em uma biblioteca, por exemplo, e se perder no meio de tantas obras ou apenas adquirir conhecimentos esparsos, sem organização ou efetividade, e até mesmo perder tempo ou ser mal influenciado com as obras ruins.
O documentário se propõe a observar a história de pessoas espalhadas pelo Brasil que resolveram criar bibliotecas comunitárias. Partiu do princípio óbvio - e até ingênuo - de que fizeram isso por amor ao próximo. Não sou eu que vou duvidar disso, mas não podemos ser desatentos, nem o documentário impede essa observação.
Dos casos relatados, apenas um tinha a devida seriedade, que foi a história de uma ONG ou coisa do gênero, que montava bibliotecas comunitárias nas comunidades ribeirinhas do Amazonas, nas vilas de palafitas. Não à toa, era o único caso onde havia um projeto por trás sustentado e tocado por pessoas estudadas.
Nos outros casos, ficou mais em voga a repercussão pessoal da suposta atitude benemérita dos personagens do que o trabalho com fins sociais através dos livros que se propunham a fazer.
Um açougueiro que amontoava livros junto as carnes e ainda tentou argumentar que tinha ele razão quando um fiscal da vigilância sanitária quis acabar com aquela bagunça, mas que também espalhava livros pela cidade, devidamente identificados com o nome de seu açougue, poluindo a cidade com estantes enferrujadas e livros velhos em pontos de ônibus e afins. Mostrou também um jovem que distribuía livros em uma favela, um homem que criou uma biblioteca em uma comunidade pobre, e um senhor que abriu um espaço público para leitura. Com menor destaque, foi retratado uma borracharia que também servia como biblioteca. Evidentemente que o interesse da borracharia não tinha relação nenhuma com a clientela, né?
Em dois desses casos, em especial, o do rapaz que abriu uma biblioteca em uma comunidade pobre no norte do país, e o do senhor no Rio de Janeiro, ao meu ver, ficou explicito a intenção muito maior deles em aparecer do que o trabalho social em si. O primeiro sujeito não perdia a chance de recitar seus poemas de conversa de bar, e em uma das cenas deixou escapar que recebia um dinheiro por fora de "uma mulher" para tocar o projeto; e o senhor, provavelmente aposentado, se orgulhava de ter abarrotado a casa de livros velhos e carcomidos, sem nem mesmo conseguir andar direito dentro do lar por causa dos livros empilhados em todos os cômodos. Em determinado momento, chegou a se travestir com uma fantasia chula de livro para supostamente divulgar a ideia da leitura no centro da cidade, loucamente trajado daquele jeito. Não demorou muito para ser abordado pela polícia.
Tudo isso sem contar que todas essas bibliotecas eram abertas em lugares pobres, sem a necessária atuação do poder público, onde as pessoas mal são alfabetizadas. Inclusive, ficou claro a pouca utilidade que o único projeto sério retratado, os das bibliotecas nas palafitas, tinha alcançado.
Enfim, o documentário é, portanto, mais interessante por aquilo que não quis mostrar, e não pelas premissas erradas das quais partiu.
O que muda o mundo é a educação formal, fazer escolas (com bibliotecas), o que é uma atribuição do poder público, que possui tanto a obrigação como as condições financeiras e sociais de construí-las. Para as bibliotecas públicas terem mais utilidade é preciso antes que o povo seja educado, alfabetizado, tenha o hábito da leitura. E que boas intenções muitas vezes são superadas pelas próprias necessidades pessoais de seus agentes, humanos imperfeitos e carentes, como sempre.
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