O aclamado mestre do horror Stephen King deve estar em polvorosa. Depois do ótimo “1408″, baseado em sua obra, ser filmado, chegou às telas em 2008 este espetacular “O Nevoeiro” (The Mist, 2007), sem dúvida o melhor filme baseado em obras do mestre, neste caso, um conto pertencente ao livro “Tripulação de Esqueletos”. É um filme que nos remonta aos grandes clássicos de terror, que realmente dão medo, que realmente são cruéis.
Uma cidadezinha do estado americano do Maine é assolada por uma grande e incomum tempestade. Sem telefone e energia elétrica, os moradores da cidade correm para o supermercado local para estocar o maior número de alimentos possível, já que a meteorologia indicava que uma nova tempestade estava por vir. Entre essas pessoas estão David Drayton (Thomas Jane) e seu filho Billy (Nathan Gamble), que tiveram a casa de barcos e uma janela destruídas pela tempestade. Pessoas essas que, em virtude da chegada de um espesso nevoeiro, ficam presas dentro do supermercado, o que é agravado pelo aviso de um dos moradores locais: o nevoeiro trazia algo realmente assustador, e ele teria visto uma pessoa sendo morta pela tal coisa que o nevoeiro trouxesse. E o sentimento de horror toma conta de todos no supermercado quando descobrem que há criaturas assustadoras lá fora, e que elas entrarem no local é apenas uma questão de tempo. E, diante da iminência da invasão das criaturas, David e Billy têm de se preocupar com um fator tão assutador quanto elas próprias: o fator humano, que põe em evidência as mais variadas reações e ações de pessoas em desespero. O medo, o terror e a fé (representada pela figura da fanática religiosa Sra. Carmody [Marcia Gay Harden]) mostram-se tão ou mais perigosos que as criaturas, e divide as pessoas no momento em que mais precisam estar unidas.
Normalmente, os filmes, sejam de terror ou não, têm seu ponto forte, seu ponto de destaque. E é esse um dos maiores diferenciais de “O Nevoeiro”: nenhum fator é muito diferente, nenhum grande destaque pode ser observado. Tudo, absolutamente tudo, é perfeito, uniforme, consonante. E o diretor e roteirista Frank Darabont mostra-se um verdadeiro especialista em levar as obras de Stephen King ao cinema. O mestre, que tem a qualidade de suas obras inquestionável, nem sempre mantém uma uniformidade. Alternando entre obras-primas (como “Carrie, a Estranha”) e verdadeiros lixos (como “Sonâmbulos”), King tem seu nome nem sempre bem vinculado a grandes filmes. No entanto, Frank Darabont tem a honra e a sorte de estar por trás dos ótimos “Um Sonho de Liberdade”, “À Espera de um Milagre” e este “O Nevoeiro”. Por coincidência, foi através do drama dos dois primeiros filmes que pudemos ver a qualidade das obras de King melhor representada nos cinemas, o que foi possibilitado pela estrela de Darabont. Por esse fato, surpreendeu a todos que Darabont fosse escolhido para roteirizar e dirigir “O Nevoeiro”, baseado no melhor dos contos do livro “Tripulação de Esqueletos”, um filme povoado de monstros. Mas Darabont, contrariando o que a maioria dos diretores fariam, não destaca as criaturas horripilantes, mas mostra-se um verdadeiro especialista em identificar o aspecto humano. É graças a Darabont que, ao longo do filme, passamos a temer tanto os “habitantes” do supermercado quanto as criaturas que o invadem e espalham medo entre as pessoas.
É impressionante o fato de que um filme de terror consiga ser passado quase em sua íntegra em apenas um ambiente. Poucos exemplos podem ser citados, mas nenhum fica tanto tempo na mesma habitação como fica “O Nevoeiro”. São impressionantes 105 minutos, de um total de 126, no mesmo supermercado, com as mesmas pessoas, mas com os conflitos sendo agravados a cada momento. E Darabont, o roteirista que adaptou de maneira genial o já genial conto de King, sustenta o clima de maneira perfeita. Ele nos transporta para dentro do supermercado a todo o tempo, fazendo-nos sentir tudo o que as desesperadas pessoas sentem. E o modo como o roteirista alia medo e fé é simplesmente arrebatador. O medo faz com que as pessoas reconsiderem tudo o que sua fé fazia-lhes acreditar, sendo completamente manipulados pela crença que lhes é imposta pela fanática Sra. Carmody, sobre quem falarei mais abaixo. Darabont tem o filme em suas mãos de tal forma que consegue fazer com que o foco do filme não fique apenas nas criaturas bastante caprichadas pelo pessoal dos efeitos especiais, mas que odiemos profundamente aqueles que se deixam levar pelos “ensinamentos” da religiosa, que dão origem a conseqüências inimagináveis.
O elenco de “O Nevoeiro” é um dos melhores já vistos em um filme de terror. A homogeneidade é impressionante, é impossível destacar um nome especificamente. David Drayton, o protagonista, é interpretado por Thomas Jane. O ator, excelente, teve o desprazer de atuar em um dos piores filmes de obras de Stephen King, “O Apanhador de Sonhos”. O pai desesperado para salvar a si mesmo, salvar o filho e ainda ajudar a todas as pessoas que pode das criaturas é interpretado por um ator completamente senhor de seu personagem, que faz o espectador sentir afeição imediata, sentir tensão e desespero junto com David. A atuação de Jane é intensa, o ator dá tudo de si pelo personagem, dando total verossimilhança. A atuação que mais convence e enche os olhos do espectador é de Marcia Gay Harden, na pele da Sra. Carmody. Em um filme de monstros tenebrosos, ela é a principal vilã, justificando seus atos atrozes pelo nome de Deus, o que se aproxima de muita coisa que vemos hoje em dia na vida real. Com seus discursos convincentes, ela é praticamente uma falsa profetisa, sendo que ela própria acredita no que diz, acredita que o caminho entre as pessoas presas no mercado podem ser conectadas a Deus através dela própria. E isso, em seu entendimento, dá-lhe o direito de condenar e sacrificar as pessoas. Com uma atuação digna de, pelo menos, uma indicação ao Oscar, apesar da homogeneidade das atuações, Marcia Gay Harden acaba sendo o nome de maior destaque, o nome de que os espectadores mais falam quando saem da sala de cinema. Mas, infelizmente, a Academia ainda insiste em fechar os olhos para o filmes de terror, o que torna injustiças como essa mais normais a cada dia. O pequeno Nathan Gamble é a grande revelação do longa. Interpretando Billy Drayton, filho de David, Nathan dá uma verdadeira aula às crianças que sonham em chegar ao concorrido mundo do cinema. Com uma atuação comovente e que não decai em momento algum, Nathan faz com que o espectador coloque seus próprios filhos em seu lugar, sendo espetacularmente verossímil. Com seus jovens dez anos de idade, o pequeno ator tem uma atuação de gente grande. Outros nomes do elenco são Andre Baugher como o advogado cético (que só não nos dá mais raiva que a fanática) e Toby Jones.
O que torna “O Nevoeiro”, talvez, o filme mais cruel já passado nas telas do cinema é o fato de que o roteiro não reluta em matar seus personagens. Não espere que os queridinhos sobrevivam até o fim e que os maus sejam eliminados, pois acabará sendo desapontado. Prepare-se para encarar um verdadeiro pesadelo, em que não há espaço para pena e facilidades. Prepare-se para um filme cruel desde seu início até o final. Final esse que é arrebatador, um verdadeiro soco no estômago, que nos leva a um desespero verdadeiro, fazendo-nos não querer acreditar no que nossos olhos vêem. Final esse que, embalado por uma música arrepiante, eventualmente leva o espectador às lágrimas, sendo considerado por mim o mais cruel de todos os tempos. Final esse que não consta no conto de Stephen King, e que foi imensamente elogiado pelo autor, que, inclusive, afirmou que gostaria de tê-lo em sua obra.“O Nevoeiro”, com sua infinidade de acertos e ausência de erros, é um verdadeiro candidato a se tornar clássico daqui a alguns anos.
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