O Cinema é capaz de nos emocionar de diversas formas, e isso não está restrito a gêneros, o que torna a arte em geral tão apaixonante. Podemos encontrar emoções distintas em comédias, filmes de heróis, adaptações de livros e, evidentemente, no drama. No entanto, dentre tantas possibilidades, nenhuma é tão eficaz quanto aquela que se relaciona com o nosso dia a dia, com nossas experiências de vida. Histórias simples, do cotidiano, que já aconteceram com um amigo próximo, uma namorada, um vizinho, conosco, enfim. É justamente o que faz de "O Passado" (Le Passé) uma obra fascinante.
Ahmad (Ali Mosaffa) deixa o Irã, sua terra natal, para voltar à França, país onde viveu por anos com sua ex-esposa Marie (Bérénice Bejo) e seus filhos. O motivo de sua visita são as assinaturas na papelada do divórcio, que precisam ser homologadas para que a moça possa casar com Samir (Tahar Rahim), seu atual namorado. Ahmad, porém, não sabia que sua ex já morava com outro parceiro, ou mesmo que ela estava tendo problemas de relacionamento com sua filha mais velha, Lucie (Pauline Burlet).
Escrito e dirigido pelo iraniano Asghar Farhadi (A Separação, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro), o longa é um belo exemplo de que um grande orçamento não se faz necessário quando temos bem definidos os alicerces de qualquer obra cinematográfica. A começar pelo roteiro, certamente a grande força de "O Passado". Sem pressa alguma de revelar as reviravoltas que tomarão conta da trama em seu segundo e terceiro ato, o texto de Farhadi se destaca pela naturalidade dos diálogos, pela forma como - aos poucos - libera as informações que precisamos para termos nossa própria percepção daquela história. E é curioso perceber que, dependendo da experiência de vida de cada um, a trama pode acabar tendo interpretações diferentes. Uma destreza que poucos roteiristas dominam.
Essencial para que a narrativa funcione é o trabalho dos atores, que aqui está irrepreensível, visto que até mesmo as crianças (que exercem papel importantíssimo na trama) estão muito bem. A argentina Bérénice Bejo (O Artista), faz jus ao posto de nome mais conhecido do elenco e, não à toa, venceu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes pela obra. Todavia, gostaria de destacar a composição de Ali Mosaffa (Que Horas São No Seu Mundo?) para Ahmad, um sujeito de personalidade forte, mas que não deixa a emoção abalar suas convicções. Os momentos em que lida com ternura e sabedoria com as crianças, são singelos e doces.
Farhadi também entrega uma direção madura e necessariamente discreta, destacada por uma fotografia e direção de arte estonteantes, que trazem plasticidade a cada cena, sem perder o aspecto de "mundo real" que a trama pede. Há um bom número de cenas memoráveis, como aquela que abre o filme, com Ahmad e Marie se comunicando separados pelo vidro do aeroporto, ou ainda, quando deixados juntos em um cômodo, marido atual e ex-marido dividem um longo e constrangedor silêncio.
Apesar de tratar de temas essencialmente dramáticos, "O Passado" lida principalmente com a temática do amor, e a forma como nossas experiências passadas constroem nossas atitudes do presente, moldam quem somos hoje e as pessoas que seremos amanhã. Nosso passado nos assombrará por toda vida, mas cabe a cada um de nós utilizá-lo da melhor forma para amadurecermos. O desfecho da obra diz muito a respeito disso, e também é uma das cenas mais belas que já tive o prazer de ver na sala de cinema.
Crítica originalmente publicada no meu blog pessoal:
http://cinefiloemserie.blogspot.com.br/2015/05/critica-o-passado.html
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