‘’Sabe quando você sempre tenta fazer tudo sair perfeito na arte, porque na vida real é difícil?’’
As obras de Woody Allen são sinônimas de um humor lotado de ironias e com um fundamento intelectual amplo, e este ‘‘Annie Hall’’ não foge essa marca registrada do diretor. Logo na primeira cena temos um atormentado Alvy Singer desabafando com os espectadores, como se estivesse em um divã, no consultório de um analista. Em tal cena, já podemos ter uma noção de como será a narrativa do filme, a típica interação com o público, única desse gênio do cinema.
Alvy Singer (Woody Allen) é uma personagem problemática, cheia de neuroses, como o título em português deixa claro. Frequenta um analista há 15 anos, possui uma visão pessimista da vida, além de uma fixação pela morte que parece não permitir que a aproveite por completo. Divorciado, conhece Annie Hall (Diane Keaton), com quem se envolve amorosamente e passa a viver um grande amor.
Woody Allen nos apresenta uma narrativa não linear, intercalando cenas do passado e presente tanto do casal como da infância e recordações de sua personagem, tecendo uma dinâmica e divertida comédia romântica. As idas e vindas de Alvy e Annie, recordações da infância e de momentos dos dois juntos são intercaladas de uma forma deliciosa, tratando com humor e ironia (como só Allen sabe fazer) um tema triste, mas corriqueiro: o amor, o começo, desenvolvimento e fim de um relacionamento.
Temos mais uma vez uma excelente atuação de Woody Allen e seu jeito único de fazer humor. Suas expressões e gestos praticamente não mudam durante os filmes, o que os torna auto-biográficos e cria uma certa intimidade a distância entre o diretor e o espectador. Sentimos como se soubéssemos muito sobre a forma de pensar, suas experiências amorosas e intimidades de Allen, o que facilita demais uma certa catarse nas obras do diretor. Diane Keaton está brilhante em seu papel , interpretando com paixão uma mulher única mas humana, com suas ansiedades e problemas vividas com paixão pela atriz.
Temos sequências primorosas em que Woody Allen argumenta com uma personagem pedante numa fila de cinema, desabafa com os telespectadores sua opinião, e não satisfeito com a resposta do homem criticado (afinal, ele era um especialista no que estava falando, Marshall Mcluhan, um teórico comunicador de massa) puxa o intelectual de trás de um cartaz de cinema para sustentar seu argumento (!). No final, indaga ‘’Se a vida fosse assim’’, simplesmente genial. Ou ainda pode-se citar a cena em que Alvy, Annie e seu amigo assistem a uma comemoração vivenciada por Allen em sua infância, e seu amigo começa a dialogar com a avó da personagem do diretor.
A interação de Allen com o público não para por aí, pois em diversos momentos somos colocados no papel de ‘’um ombro amigo’’ de nosso querido personagem neurótico, afinal, ele precisa desabafar com alguém. E, não obstante, ainda pergunta a opinião de pessoas alheias na rua, que o respondem de forma sincera e bem humorada, às vezes até sabiamente, como a senhora que lhe diz ‘’O amor é assim, se esvai com o tempo’’, ou o casal que diz ‘’Nos damos bem pois ele é vazio e eu não tenho nada de interessante pra falar’’.
Allen nos leva a refletir sobre os relacionamentos marcantes que tivemos em nossas vidas, uma espécie de introspecção em nossos próprios pensamentos. As lembranças de relacionamentos passados são sempre citadas no filme, por ambas as partes do filme e, por fim, Annie Hall se torna também uma lembrança marcante em sua vida. Temos então, uma obra sobre as lembranças do que fica de bom em um relacionamento passado, aqueles momentos únicos vividos com uma pessoa querida. Torcemos para que Alvy e Annie se entendam e vivam juntos no final, já que sempre desejamos que, na vida, possamos de controle total sobre as circunstâncias e as conseqüências de nossos atos. Afinal, continuamos tentando, pois por mais que os relacionamentos sejam irracionais e loucos, nós precisamos dos ovos, não?
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