Não conhecia o trabalho do diretor Hal Ashby até me deparar com essa grande obra, sugerida pela minha querida genitora. Com um roteiro permeado de uma comicidade maestral mesmo ao lidar com temas mórbidos e cenas bizarras, ‘’Ensina-me a Viver’’ pode ser visto de diferentes ângulos dado a sua história bem escrita (créditos a Colin Higgins), mas o foco gira em torno mesmo de um aspecto: a relação humana e o amor.
O jovem Harold (Bud Cort) desfruta de um prazer mórbido que nos é apresentado no filme com certo humor a cada manifestação: gosta de simular suicídios, de preferência quando sua mãe está por perto. Sua bizarrice vai além, e essa fixação de se colocar próximo à morte lhe faz freqüentar funerais aleatórios e até a comprar um carro com o modelo daqueles usados pelas funerárias para transportar caixões. Nos deparamos com um personagem (interpretação sublime de Bud Cort) com um olhar assustado e triste, que não encontrou outro modo de obter o prazer de viver a não ser o desprazer de estar ao lado da morte, constituindo um paradoxo intrigante.
Curioso notar que Harold nunca passa do quase, do meio termo, em suas peripécias suicidas. A personagem procura estar sempre próximo à morte mas nunca vai de encontro a ela, o que nos leva a entender que a personagem de fato não quer se suicidar mas sim passar por algo semelhante aos paraquedistas e saltadores de bungee-jump, só que de forma diferente. Essa experiência de quase morte por meio das simulações de suicídio é sentida por Harold como algo desprazeroso (como nos mostra as suas reações, seus olhares perdidos, seus ombros caídos), mas que lhe serve como forma de fruição da vida, o que de alguma forma lhe dá prazer.
Sua mãe visivelmente não lhe dá a mínima e se mostra indiferente às brincadeiras bizarras de seu filho. As tentativas que faz de arranjar uma esposa para seu filho são frutos das exigências sociais que a sociedade moderna impõem, tanto que tenta empurrar as pretendentes a Harold (que foram achadas em classificados) afim de casa-lo logo. Nenhuma delas atrai o jovem, que faz de tudo para espanta-las, para o horror de sua mãe.
A história se costura com uma comicidade muito peculiar, pois as belas atuações permitem um humor negro delicioso. De alguma forma o telespectador experimenta o prazer de Harold em suas simulações na indiferença e nos sustos que sua mãe e suas pretendentes levam. A direção de Hal Ashby se mostra genial com os movimentos de câmera, explorando as feições diversas das personagens e enquadrando as duas para permitir esse contraste cômico.
Maude (Ruth Gordon, excelentíssima) aparece de repente, em um funeral e logo conquista a atenção do jovem Harold com a sua jovialidade e sede por desfrutar da vida. Um pequeno detalhe: Maude tem seus 70 e poucos anos. Esse encontro tão inusitado, de duas personagens com uma diferença de idade grande e modos distintos de viver é a relação que dá título ao filme (‘’Harold and Maude’’, no original) e é o que mudará para sempre a vida de Harold.
Aquele garoto que outrora andava por funerais, triste e cabisbaixo é tomado pela alegria de sua nova parceira e começa a enxergar como é possível desfrutar das coisas que o mundo nos oferece, a liberdade que está em nossa porta para usufruirmos do que quisermos. A importante lição que Maude dá a Harold é simples e forte, e era justamente a mensagem que ele precisara. Incrível é o fato de uma senhora de idade ensinar um jovem de com seus quase 20 anos a viver, a se lambuzar com o que a vida os oferece de melhor.
O que surge entre os dois é tão jovial que esquecemos a diferença de idade por alguns momentos, pois vemos as personagens se entregando um ao outro de forma dócil e lenta, bem romântica. Como um casal de adolescentes apaixonados, trocam presentes e carinhos e passam o tempo juntos a namorar. Nesse momento o filme encanta pela delicadeza em tratar do nascimento de um sentimento grande e bonito, que não vê idade nem credo,e não adianta, nem padre nem psicanalista vão tirar isso da cabeça do jovem Harold!
A conclusão dessa grande obra (que não será revelada aqui, não se preocupe) não poderia ser melhor e foi a lição máxima para Harold dar uma guinada em sua vida de uma vez por todas. As cenas finais, mais dramáticas e de colocar lágrima nos olhos de qualquer marmanjo, são belíssimas e completam a mensagem do filme. Maude é daquelas pessoas que chegam de repente em nossas vidas somente para passar uma lição importante e quando menos se espera, elas partem. A impressão é que vieram só para ensinar algo, e no caso, ensinar um jovem atormentado a viver.
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