8,0
Montado em um cavalo, um operário alemão se desloca até uma aldeia na fronteira entre Bulgária e Grécia e sua presença soa como a de um emissário do Ocidente para um território rural, trazendo o futuro e o desenvolvimento do mundo capitalista. A figura evoca mais receio do que expectativa, e para um povo já acostumado com as invasões ocidentais, ela é tida como uma ocupação. Nesse argumento de faroeste se sobrepõe um retrato social que geralmente não casa muito bem com o cinema de gênero americano, e está nesse contraste o maior interesse do trabalho da diretora alemã Valeska Grisebach em Western (idem, 2017).
Se para o cinema americano o faroeste já virou uma relíquia, tendo em seu uso contemporâneo quase sempre um tom anacrônico revisionista e que pouco acrescenta ou expande o gênero, é interessante perceber como uma diretora alemã capta sua essência e a moderniza dentro de um contexto mais atual e incrivelmente fértil para o seu desenvolvimento. Mas ao mesmo tempo há um apego muito claro ao classicismo que ele evoca, com ecos de John Ford e Clint Eastwood, e a temas que lhe eram caros, como a lealdade, a solidão, o isolamento e a disputa territorial.
Esses elementos ganham uma nova roupagem e os cowboys/forasteiros são substituídos por operários que procuram construir uma hidrelétrica e todos os seus benefícios de caráter ambíguo, que podem trazer tanto a expansão e modernização, quanto a tomada gradual de terras e a contaminação de novos costumes e culturas imperialistas do ocidente. A relação entre os búlgaros e os alemães vai aos poucos formando uma rede de tensão crescente, com base em alguns arquétipos que a diretora recicla, como o herói que respeita os costumes locais ou o forasteiro arrogante que os despreza. Com grande habilidade narrativa, Grisebach jamais trilha os caminhos esperados e desconstrói todos os clichês com que inicia sua trama, subvertendo o faroeste ao mesmo tempo em que o enaltece e o trabalha em sua potência máxima, com um eco social tão forte que por vezes se sobressai ao exercício de gênero.
Nesse cenário curioso, a diretora discute a relação ocidente/oriente e suas tensões em territórios fronteiriços transcontinentais. Sem tomar lados ou apontar vilões, ela sempre deixa no ar uma abordagem dúbia de dependência e repulsa, de fascínio e desprezo, de complemento e incompatibilidade, com base em questões como cultura, língua, política e história. Essas fissuras na comunicação logo evoluem para a ideia de se resolver tudo com a força física e a violência e, nesse microssomo da história da Europa Oriental, Grisebach retrata situações que ainda ocorrem no século XXI mundo afora, ainda que soem quase ultrapassadas na encenação classicista montada em cima desses arquétipos e conflitos dos séculos passados.
Os países que antes compunham o Bloco do Leste durante a Guerra Fria ainda sofrem com os efeitos de um mundo dividido, de uma política que, embora já superada, ainda reverbera nas relações da sociedade local. Mesmo após a independência alcançada da antiga URSS, sentem-se como despatriados e à mercê de influências e ações políticas e militares de vizinhos mais unificados e poderosos. Em um plano mais individual, analisa a figura masculina no século XXI, a evolução do cowboy tresloucado ao homem solitário e ainda sem encontrar seu lugar no mundo, vagando à esmo em busca de um lar. Em Western, essa situação toda é abordada com a precisão de uma cineasta no domínio pleno de sua profissão, sendo capaz de exprimir em quase duas horas toda uma história que ainda prevalece sobre os fantasmas de uma guerra que nunca de fato aconteceu e que para muitos nunca de fato acabou.
Belíssimo texto, meu amigo! Contribuiu muito para ampliar minha visão sobre a obra. Parabéns!
Obrigado, Jairo 🙂😉