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Críticas

Cineplayers

Uma divertida aventura que aproveita algumas localidades bem, outras nem tanto, em um perceptível espírito de viagem constante.

7,0

A Volta ao Mundo em 80 Dias só se tornou realidade devido à ambição de um homem: Michael Todd. Produtor de peso do show business na Broadway, Todd ganhou milhões produzindo os maiores espetáculos musicais dos anos 40 / 50, e perdeu outros milhões com o seu doentio vício nos jogos, principalmente as corridas de cavalo. Entrou no mundo do cinema na transição do cinema mudo para o falado, fundando um estúdio sonoro, mas só em 1956 lançara o seu primeiro e único filme. A partir de um roteiro que todos tinham a certeza de ser uma bomba, Todd acatou o desafio e decidiu produzir A Volta ao Mundo em 80 Dias com dinheiro do próprio bolso, após vender a sua parte do Cinerama (o início do WideScreen).

O resultado fora uma obra imortalizada com cinco Oscar: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem, Melhor Fotografia e Melhor Trilha Sonora. Isso foi um fato único, sem precedentes na história da premiação. Afinal, que produtor, com apenas um único filme, de estréia, conseguira a premiação máxima do cinema americano? Apenas ele, Michael Todd. Vencera o desafio com obras importantes, como Os Dez Mandamentos, Assim Caminha e Humanidade e O Rei e Eu, todos favoritos na noite do Oscar de 1957.

A história é baseada na obra-prima homônima lançada no final do século XIX por Júlio Verne, considerado um dos maiores pensadores da história, um exímio futurólogo. Ele preveria precocemente a invenção da televisão e a ida do homem à lua, que também ganhou às telas do cinema em 1902 através do ilusionista Mèliés e seu A Viagem à Lua. Filme que, por sinal, passa antes de A Volta ao Mundo em 80 Dias ter início. Para fazer um bom filme com essa fonte original de idéias, basta que seu realizador não atrapalhe. Mas o jovem Michael Anderson (que tinha em seu currículo poucos filmes, como 1984, O Futuro do Mundo) teve uma certa dose de problemas para realizar o filme, principalmente pelo pouco dinheiro para a produção, considerando sua magnitude. A solução foi uma produção enérgica de Michael Todd, nunca duvidando do que poderia ser feito ou não, filmando em locações reais nos países visitados pelos filmes.

A história, ambientada no final do século XIX, gira em torno de Phileas Fogg (David Niven, em seu papel predileto), um milionário que freqüenta um clube requintado de almofadinhas em Londres. Extremamente pontual e exigente com seus gostos, nenhum criado consegue ficar mais do que alguns dias a seu serviço. Toda a aventura começa através de uma inesperada e milionária aposta: Fogg afirma que é possível dar a volta ao mundo em oitenta dias com as atuais tecnologias de transporte, enquanto seus companheiros de clube afirmam que não. Fogg então decide partir no mesmo dia, iniciando uma aventura que passará por locais como Espanha, Índia, Japão e Estados Unidos, até retornar para a Inglaterra.

Passepartout é o novo empregado de Fogg, o encarregado de acompanhá-lo nesta insana viagem, encarando toda a péssima fama de seu novo patrão. Ele é o responsável pelas cenas mais engraçadas do filme, balanceando a falta de humor de Fogg. Quem encarou o papel foi o famoso ator mexicano Cantinflas, que na época era o ator mais rico e independente que existia. Todos duvidavam que Todd conseguiria contratá-lo, mas após uma viagem ao México, ele conseguira contratar o ator pessoalmente. Para um personagem que precisava participar de uma tourada, fazer cambalhotas e todas essas peripécias físicas e, além de tudo, interpretasse bem, Cantinflas se tornou uma perfeita escolha para o papel por ser um natural performer.

Há ainda dois outros personagens principais. O Inspetor Fix, interpretado magistralmente por Robert Newton, tenta a todo custo prender Fogg, suspeitando que ele seja responsável por um assalto ao Banco da Inglaterra – em uma sub-trama bem desnecessária, por sinal, já que o suspense criado não é necessário para mantê-la interessante. Robert Newton, que já havia trabalhado com David Lean em Oliver Twist, morreu logo depois de terminar sua participação no filme, de ataque cardíaco, nos braços de sua esposa Vera Budnick. Shirley MacLaine, que havia trabalhado com Hitchcock e Jerry Lewis em seus primeiros trabalhos, ficou como a princesa indiana salva por Fogg do sacrifício, tornando-se também o seu interesse romântico na trama.

Um dos grandes problemas do filme é que alguns locais por onde Fogg passa quase não são aproveitados. A Índia e o Japão, por exemplo, tem o básico do básico de sua cultura representados no filme, com citações muito superficiais para serem absorvidas. Porém, os Estados Unidos e a Espanha tem belíssimas apresentações. Enquanto os faroestes recebem uma gloriosa homenagem, as touradas espanholas e sua cultura musical dão um charme extra à primeira localidade onde Fogg pára com seu fiel criado Passepartout.

A sensação de viagem que o filme transmite foi muito bem trabalhada, um dos pontos altos da projeção. Ele reserva alguns longos minutos apenas para mostrar paisagens, que variam de montanhas vistas por balões, florestas ao pôr do sol vistas através de janelas de um trem e visões magníficas do oceano nas passagens por barcos. Fogg utiliza qualquer tipo de meio de transporte para conseguir chegar a tempo de vencer a aposta, o que traz um outro problema ao filme: tudo é resolvido muito fácil. Os conflitos são fracos, não trazem reais problemas ao objetivo do milionário. Ou tudo se resolve com dinheiro, ou da maneira mais simples e direta possível. Em nenhum momento Fogg duvida que irá conseguir, o que acaba por nos passar a mesma sensação, tirando um pouco a graça da aventura.

Outro grande mérito também se refere aos atores que Todd conseguiu para as pontas em seu filme. Em um trabalho como esse, o número de atores que Todd precisaria para os pequenos papéis era muito grande, mas com sua lábia, criou um termo que ficou conhecido como camafeu, e acabou convencendo grandes estrelas do cinema a fazer papéis que nem falas chegavam a ter! Ele os enchia de elogios, dizia que era algo novo que estava criando, e assim conseguiu os grandes nomes para preencher essas pequenas lacunas e enriquecer ainda mais o seu filme. Não estranhe, por exemplo, se você ver Frank Sinatra tocando um piano em um bar qualquer, sem falar sequer uma frase, com apenas um grande close em seu rosto sorridente.

O melhor de tudo fica por conta do final criado por Júlio Verne em seu livro. Sem menosprezar a inteligência de quem quer que esteja assistindo o filme, Michael Anderson incluiu o raciocínio simplesmente brilhante para encerrar a viagem que Fogg fazia. É uma reviravolta simplesmente fascinante e, o melhor de tudo, não passa nem perto de soar forçada. Com certeza Verne escreveu toda sua obra prima pensando justamente nessa conclusão. Em sua mente, formou toda a história de trás para a frente, apenas para nos presentear com um dos finais mais brilhantes e inteligentes que a história já conheceu. Para não acharem que estou exagerando, a minha surpresa se equiparou, por exemplo, com a que eu tive ao final de O Sexto Sentido. Foi exatamente o mesmo pensamento: "como é que eu não pensei isso antes?".

A Volta ao Mundo em 80 Dias fechou com chave de ouro a carreira do fantástico Michael Todd. Em 1958, enquanto sobrevoava o México, seu avião pegou uma forte chuva e caiu nas montanhas. Todd deixou sua mulher, a poderosa Elizabeth Taylor, vinte anos mais nova, viúva e com uma filha pequena de seis meses para criar. Mas em sua história, uma aventura imortalizada pela simplicidade no desenvolvimento e ousadia na produção, características marcantes das obras teatrais de Todd. Sua premiação é questionada até hoje, mas se não era merecedor do prêmio, pelo menos é uma aventura divertidíssima, que vale a pena uma cuidadosa conferida.

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