O tempo passa para todos, e o grande mestre Ken Loach demonstra já há algum tempo essas marcas do tempo de maneira quase explícita em seus filmes mais recentes, abolindo a limpeza de arestas que possibilitariam um adorno de sutilezas em suas narrativas mergulhadas no proletariado britânico massacrado pelo sistema e a malha social que os circunda. Ainda que superior ao laureado Eu, Daniel Blake, alguma falta de simplicidade vem se mostrando com certa frequência, que elevam o material dramático da obra e retiram dela seu lado sucinto.
Durante um bom tempo de Você Não Estava Aqui, acompanhamos a saga do quarteto familiar não apenas com interesse e empolgação, mas com a certeza do retorno a um cinema mais artesanal, com uma humanidade muito mais sentida do que arregaçada, passeando por um dia a dia muito frugal de perdas e ganhos, cada qual na sua função social - pai e mãe que provém, filho adolescente em ebulição contestadora, filha caçula como o esteio emocional do grupo. Tudo é realizado com certa secura verídica e o filme conquista por nos situar ao largo dos eventos, e não por nos tentar mergulhar emocionalmente em cada situação.
Já por volta da metade, o roteiro de Paul Laverry, parceiro de sempre de Loach, começa a fornecer mais texto aos atores do que deveria, esmiuçando as relações e as situações até quase seu limite sem permitir que positivas lacunas se abram sobre os sentimentos vividos, fazendo o requinte narrativo involuir. Na ânsia de deixar toda sua narrativa preenchida e explicitar de diferentes formas o descaso do governo para com sua população, Loach comete os erros do longa anterior ao não permitir diálogos que sejam envoltos em sombras acinzentadas, tirando certas nuances de sua manufatura.
Ainda assim, o filme ainda apresenta um cineasta propondo retificações, como ao trazer uma classe não tão operária assim tentando chegar no mesmo paraíso prometido a todos. A família de Ricky e Abby tem uma estrutura e um certo lugar social que os permitem estar em ponto diverso ao que o cinema de Loach costuma se ater. É uma zona de atuação um pouco mais folgada do que o habitual, ainda assim imersa em problemas financeiros e que aqui esbarram em desajuste emocional na juventude, com os típicos arroubos da adolescência ganhando lugar no projeto de inclusão social que o autor costuma incutir nos seus filmes, ampliando sua cartela de cores.
Contando com a luz de Robbie Ryan mais uma vez, esse interesse por questões humanas que independem da inclusão social e não são amplificadas por ela fez o trabalho fotográfico do filme realçar para além do cinza típico do diretor; há um sol brilhante em algumas cenas do longa que abrem espaço para o ser humano que poucas vezes vimos em Loach. Uma vontade de exprimir não apenas as necessidades sociais daquele núcleo familiar e seus indivíduos, mas principalmente discutir aquelas interações emocionais sem situar as posições políticas dos seus personagens. Mesmo o simples fato de buscar leitura espacial ampla para as discussões que propõe revitaliza o diretor de alguma forma.
Pela primeira vez, o elenco de um filme de Loach passa arranhando. Enquanto o quarteto principal familiar dá conta do recado (inclusive o trabalho da pequena se destaca, pelo nível de entrega e naturalidade a uma atriz tão jovem), os coadjuvantes em sua maioria parecem desconfortáveis ou ao menos pouco ensaiados, e isso a um filme que se propõe naturalista é um 'senão' preponderante, que joga com a estrutura narrativa de maneira negativa a lembrar do artificial implícito ali.
Em que se pese os aspectos positivos e negativos a respeito de Você não Estava Aqui e se coloque em discussão o lugar de seu autor, Ken Loach segue tentando equilibrar as matizes políticas e humanistas de seu viés, atingindo aqui um pouco acessado mergulho na juventude e no choque entre gerações que promove um racha nas convenções sociais comuns entre pais e filhos.
Crítica da cobertura do 21º Festival do Rio
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