Violeta Parra era, fora do Chile, uma figura quase esquecida. Mas sua personalidade, responsável pelo caminho artístico que trilhou, junto com sua ideologia de vida - e por consequência política - a tornaram importante para a história cultural daquele país. Aos poucos, essa importância se espalhou por países vizinhos, como o Brasil, e conquistou a Europa a partir da exposição de seus quadros no Museu do Louvre, em Paris.
Artista na concepção maior da palavra, Violeta dedicava-se principalmente à música. Contudo, isso não a impedia de criar também como tecelã, escultora, pintora e poetisa. Por isso, é facilmente identificada como referência no conceito de arte pela arte, sem reais fins mercadológicos – a não ser com o objetivo de levar a própria criação adiante. Violeta carregava em suas canções questões da cultura local do interior do Chile, com destaque para a indígena, parte de sua descendência. Ela, inclusive, lamenta o fato de sua mãe ter se casado com um homem branco.
O pai, por sinal, é figura controversa para Violeta. Ainda garota, ela mostrava profunda irritação com o uso que o pai fazia da música. E por isso, de forma birrenta, o atrapalhava em meio às suas espalhafatosas apresentações informais. O diretor Andrés Wood, entretanto, é elegante ao retratá-lo sem julgamentos, como se fosse capaz de atribuir a ele certa importância pela escolha da filha de seguir o caminho da música, seja por contestação ou dom. O pai aparece ora furioso, destruindo um ambiente com um violão, ora terno afagando Violeta nos momentos de raiva dela. Com apenas nove anos, de forma autodidata, ela começou a cantar.
Mas o filme é, para além do resgate histórico da carreira simples de Violeta, sobre vida e morte. Essa é a moral e a reflexão que permeia a história de ponta a ponta. Os pais partem cedo e ela fica com seus irmãos. Com uma irmã, aliás, começa a carreira artística até decidir seguir só. Depois, já mãe, perde um dos filhos ao deixá-los no Chile enquanto aceita convite para cantar na Polônia comunista. Violeta colocava a arte como o combustível de sua vida e por isso deixou os filhos para trás, sob cuidados de um pai relapso, a fim de apresentar a cultura chilena na Europa. Por lá, ficaria por dois anos, com passagens bem sucedidas pelo lado ocidental.
A morte, ainda presente no simbolismo do gavião e da galinha, também serve para representar a relação de opressores e oprimidos, este tema urgente na obra de Violeta. Geniosa e genial, ela aparece como uma mulher decidida e intransigente nas suas crenças. Acima de tudo, só tinha olhos para sua arte, estritamente local e histórica, a ponto de renegar a canção dos parabéns no ritmo exportado pelos Estados Unidos. Para ela, a cultura regional não pode ser apagada pela massificação da cultura dominante.
Em uma passagem que retrata bem a visão da elite chilena da época, meados do século XX, Violeta aparece como convidada para cantar em um encontro de uma sociedade masculina durante jantar com suas respectivas mulheres. A cantora é interrompida para que a refeição seja anunciada, ao passo que ela é convidada para comer na cozinha, longe dos anfitriões. A alta sociedade a via com extravagância, como um artista menor, e que, portanto, não poderia estar no meio deles – mas é politicamente correto aceitá-la, ainda mais se a Europa via qualidade nela. Violeta responde com esbravejos à situação.
Até por isso, segue a vida identificada com princípios socialistas, sem nunca abandonar suas origens e buscando jogar luz sobre os excluídos. A tenda La Carpa de La Reina, montada por ela, tinha esse caráter coletivo inclusivo, como espaço para propagação da arte tipicamente regional. Mas o posterior fracasso da iniciativa se junta à impossibilidade de estar com o segundo amor de sua vida, o também músico Gilbert Favre. Desolada, a morte aparece novamente no filme. Violeta não sabia como lidar com a solidão, seja artística, seja amorosa.
Violeta foi para o Céu (Violeta Se Fue a Los Cielos, 2011) adota uma estrutura não linear para narrar a vida e a morte da artista, com idas do presente narrativo ao passado histórico costuradas em perfeita harmonia, com a andança livre pelo tempo como ferramenta para dar significado, ou sentido, ao recorte do tempo presente da narrativa. Francisca Gavilán, registre-se, faz soberbo trabalho ao representar a cantora.
A figura de Violeta Parra precisava de um retrato eficaz, principalmente após a arte de esquerda ser sufocada por movimentos repressivos no Chile. A artista é considerada fundadora da música popular chilena e uma importante folclorista. Suas canções, contra o chamado sistema, são usadas hoje para embalar os movimentos estudantis chilenos. “Volver a los 17”, por exemplo, foi regravada por outra artista local conhecida pela crítica ao “monstro grande que pisa forte”, Mercedes Sosa.
7,5
Esse foi o vencedor do cine ceará, tenho curiosidade em ver.