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Vila, A

(Village, The, 2004)
7,3
Média
847 votos
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

Apesar de seus problemas com a história do filme, Shyamalan prova com A Vila que, como diretor, é um dos mais competentes da atualidade.

8,0

O prestígio de um diretor pode ser constatado pela expectativa em torno de seus projetos, pela legião de fãs que os aguarda. M. Night Shyamalan é, hoje, um desses prestigiados do cinema, um diretor que trouxe frescor novo à “fábrica de sustos” e a humanizou. O sucesso estrondoso de seus filmes lhe rendeu, ao mesmo tempo, os status de pop e cult. Seu controle sobre o suspense produziu platéias satisfeitas mundo afora e uma série de admiradores. É claro que, como em tudo com forte apelo popular, a crítica se acende exponencialmente. Nenhum deslize seu passa desapercebido pelo crivo dos especialistas e é, assim, ampliado pela caixa de ressonância da mídia. Creio que tenha sido essa expectativa exagerada a raiz de visões extremistas a respeito de “A Vila”. Existem sim erros primários na conclusão do filme e responsáveis por furos e fios soltos em toda a sua condução, mas nada que justifique o massacre promovido por certos críticos. A ótima concepção do argumento, o roteiro bem conduzido e a direção fenomenal de Shyamalan não podem ser eclipsadas por alguns fatos deixados obscuros. Deve-se guardar a devida proporção.

Ambientado no final do séc. XIX, o filme mostra uma população auto-sustentável vivendo em uma vila rodeada por uma floresta habitada por criaturas monstruosas. Os moradores, pelas recomendações dos anciões, não podem sair do local sob o pretexto de não serem atacados e de não quebrar um acordo que limita a presença de homens na floresta ao passo que os mantém imunes do ataque dos seres malignos. A claustrofóbica paz da vila acaba quando começam a aparecer animais mortos, fruto, ao que parece, do desgosto das tais criaturas com a atitude de alguns moradores.

Estrelado por um ótimo elenco encabeçado pela inacreditavelmente estreante Bryce Dallas Howard vivendo a cega Ivy e por Joaquim Phoenix como o audacioso e contido Lucius Hunt, além das fortes presenças de William Hurt e Adrien Brody e da coadjuvância inútil de Sigourney Weaver, “A Vila” é um êxito no que poderia se chamar “atmosfera cinematográfica”. Shyamalan passa com maestria a tensão que paira sobre aquele ambiente seja no que se refere ao roteiro (também assinado por ele) ou à técnica. A inclusão de cenas como a do almoço em que, subitamente, todos os olhares se voltam para a floresta ou a de jovens brincando para ver quem resiste mais e fica parado no limite da vila traduz o medo reinante entre os habitantes. Isso talvez não fosse tão eficiente se Shyamalan não soubesse como colocá-lo na tela. Ruídos inquietantes vindos da floresta, longos silêncios assinalando apreensão, edição calma que intercala o desenvolvimento das personagens com a crescente presença dos seres na vila promovem o que de melhor um filme pode trazer: um mergulho em outra realidade.

Outro traço eloqüente de quão inspirado é o filme são as belíssimas tomadas que Shyamalan produz. São enquadramentos inesperados, geniais e de tirar o fôlego. O que mais me marcou foi o longo plano feito quando Lucius se declara para Ivy (sim, em meio ao suspense ainda há espaço para um belo romance), em que o close de cada um é colocado em uma extremidade da tela, resultando em um momento intenso, de forte emoção. Como este, há inúmeros outros. Lembro-me agora, também, da inebriante seqüência focando em primeiro plano a mão de Ivy esperando por Lucius enquanto uma fera caminha em sua direção e de uma passagem próxima do final com vários personagens em volta de uma cama: reparem a precisão da marcação e da movimentação de cada ator, parece até uma pintura de Velásquez. Tudo isso evidencia que, como cineasta, Shyamalan continua irrepreensível. Estão ótimas ainda a trilha sonora de James Newton Howard com lindos acordes de violino e o uso de cores cruas  e sombras na vila sendo quebrado pelo ocasional uso do vermelho (literalmente metafórico).

Até aqui me referi apenas às qualidades (que não são poucas no panorama atual de Hollywood) de “A Vila”. Para falar sobre os seus equívocos é necessário avançar na história e, se alguém porventura não tenha visto o filme, pare de ler. No final, como a grande reviravolta, como a grande surpresa, o espectador toma conhecimento de que o filme, na verdade, é contemporâneo. Acuados e traumatizados pela violência, no passado, os chamados “anciãos” decidiram fundar uma sociedade alternativa, isolada do resto do mundo. Para manter a farsa, eles inventaram toda a história dos monstros a fim de manter seus filhos longe do perigo das cidades modernas. Como idéia e discussão esse mote é excelente. Traz até um certo nível de pensamento filosófico sobre a possibilidade de se manter uma sociedade humana sem violência que é apurado para o gênero em questão. O problema, no entanto, reside unicamente na ausência de uma explicação plausível para o surgimento dos animais mortos. E, pode não parecer, mais isso gerou uma discrepância acachapante e inexplicável.

Quando acontecem as primeiras mutilações nos animais, os anciãos, que, repito, sabiam que não existia entidade sobrenatural alguma, as atribuem a coiotes. Por quê? Se eles queriam acovardar possíveis investidas de Lucius na floresta, o natural não seria dizer que foram os tais monstros? Há uma teoria do “ancião louco” que eu não vejo o menor cabimento, primeiro porque não há nenhum indício disso no filme e, segundo, porque, mesmo se ele existisse, Shyamalan teria, para manter a lógica de seu texto, a obrigação de desanuvear isso ao público. Atribiur a Noah (Adrien Brody) também é descabível: um doente mental não teria a capacidade de elaborar e realizar tudo aquilo sozinho. Há ainda um diálogo entre Hurt e Weaver que embaralha a situação ainda mais.

Deixar coisas tamanhas sem explicação alguma é errado. Não se pode dizer que foi uma opção estilística, pois elas só são tidas como tal quando não interferem na apreensão da história por quem assiste. Um exemplo de recurso, que apesar de não achar ideal, aceito, é a tentativa de surpreender duas vezes ao mostrar a personagem de William Hurt contando toda a verdade sobre a balela dos monstros e, em seguida, levantar novamente a possibilidade deles existirem só pra dar um susto a mais. Mesmo não achando essa a solução mais interessante sou obrigado a aceitá-la porque o roteirista tem a licença de criar sua história como achar melhor e, se o recurso empregado não traz prejuízo à coerência, não há como refutar. É a criação dele e ponto. Posso apenas questionar o grau de “inteligência” como na parte em que Shyamalan, em uma aparição como ator, começa a despejar explicações sobre como a sociedade é mantida isolada sem mais nem menos. Faltou, com certeza, uma elaboração mais bem pensada se a intenção era evitar furos na história. Muita coisa nesse sentido foi ressaltada por críticas preocupadas em arranjar mais defeitos ao filme, algumas até esquecendo que o filme é uma ficção romanceada dentro da qual um pai poderia até mandar a filha cega ir sozinha à floresta.

É uma pena o que poderia ter sido um dos melhores suspenses já feitos ter sido maculado por um erro tão grosseiro. Acredito que Shyamalan teve consciência do que estava deixando em branco, mas não mediu o tamanho dessa lacuna na verossimilhança de seu filme. O pior é que muitas vezes um erro é mais visível que mil acertos. Toda a imensa habilidade de cineasta que ele demonstra em “A Vila” não foi suficiente para redimi-lo perante a crítica. Eu, porém, enxergo isso como uma temeridade. Shyamalan já mostrou anteriormente,mostrou aqui e com certeza continuará mostrando no futuro o quanto é bom.

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