Miller se perde entre a melancolia e o humor indie em um filme requentado para as mulheres.
Dizem os mais experientes que, em algum momento da vida, todos caem nas populares armadilhas existenciais proporcionadas pela idade, um daqueles tantos problemas do "pensar demais" normalmente associado aos humanos – ainda que alguns pareçam não compartilhar deste mal. Refletir sobre o passado, analisar o presente e tentar sabotar o futuro procurando fazer coisas que nunca havia tido ousadia de fazer acabam sendo medidas desesperadas em busca de uma nova identidade, uma realidade distante da rotina à qual pensa-se correr o risco de permanecer eternamente preso.
Rebecca Miller, assim como tantos outros cineastas (e aí facilmente pode-se resgatar uma enorme lista que vai de Ingmar Bergman a Woody Allen sem deixar a casa cair), resolveu exercitar esta reflexão por outras vias que não as cerebrais, fazendo do cinema seu meio confessor e uma espécie de psicanalista. E de nós, pobres espectadores, suas vítimas.
A Vida Íntima de Pippa Lee é o espelho de uma mulher imersa em uma dessas crises, e acompanhar este seu reflexo cinematográfico é, para dizer o mínimo, um teste de paciência contra-indicado a quem sofre de problemas de ansiedade. Talvez por esta realidade apresentada estar tão distante ou por ser sustentada de forma tão frágil e calcada em fórmulas pré-aquecidas, o desejo mais latente enquanto se acompanha a personagem título resgatar os mais trágicos fragmentos de sua vida é o de acertá-la com uma marreta e mandar acordar pra vida.
As pretensões de Rebbeca Miller são mais do que claras e, acima de tudo, simplórias, e tudo o que existe entre imagens e diálogos, sejam do presente ou do passado, estão diretamente conectados com o discurso central (na verdade é o que deve acontecer, o problema é mesmo de discurso) que visa, única e exclusivamente, despertar a simpatia de seu público, bastante específico e composto basicamente por mulheres de meia-idade que ainda guardam, assim como a protagonista, esperanças juvenis de novas guinadas. Miller despeja tudo no liquidificador e sem o mínimo de pudor estrutura seu filme sobre ciclos de acontecimentos e sensações que respondem sempre pelo óbvio: problemas familiares, crescimento desajustado, escolhas equivocadas que levam a caminhos desgostosos, arrependimento, comodismo, inconformismo, e finalmente, ação. Agir. Fazer algo para mudar.
É então que Pippa Lee resolve agir, e a tudo isso junta-se o romance insosso entre uma senhora e um homem mais jovem que, como se não houvessem problemas suficientes, é interpretado por Keanu Reeves (vale lembrar que qualquer filme que contenha Reeves com uma tatuagem gigantesca no torso é candidato forte ao Framboesa de Ouro) - e através dele, em virtude de sua profundidade de colher de pau com gracejos moderninhos, o filme abraça também às fãs de Gilmore Girls. A diretora fica presa, então, em um vácuo entre o estilo indie e engraçadinho que lhe consagrou e a melancolia e suposta forte carga emocional da temática central, que faz com que o filme se transforme em uma baderna tediosa.
Entre piadas imbecis (o nascimento de Pippa Lee deve constranger até aos fãs de Zorra Total) e tenebrosos momentos de dramaticidade, que por sinal soam bem mais engraçados do que elas (a cena de sexo entre Pippa e o amante), o filme é conduzido seguindo esta confusa linha narrativa até, enfim, chegar ao clássico plano final e aberto com o carro da protagonista em uma auto-estrada e suas “belas” palavras na narração indicando que, apesar de todas aquelas dores e aflições e pensamentos filosóficos, a vida continua, e precisamos seguir em frente sem olhar para trás. Bem que Miller poderia ter chegado a esta conclusão antes de filmar A Vida Íntima de Pippa Lee e, como toma por certo sua protagonista, decidido seguir em frente sem visitar o passado. Teria nos poupado, assim, 98 preciosos minutos que poderiam ser destinados à mesa do bar.
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