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Críticas

Cineplayers

O road movie de Kitano.

9,0

Já é sabido há muito tempo, bem antes da trilogia maluca formada por Takeshis’ (idem, 2005), Glória ao Cineasta (Kantoku · Banzai!, 2007) e Aquiles e a Tartaruga (Akiresu to kame, 2008), que Kitano é um mutante consciente, que prefere perder admiradores por estranheza do que por desgastes. Desde seu primeiro filme como diretor, em que trocou a imagem de humorista pela de ator durão ao interpretar o policial sociopata em Violent Cop em uma obra séria e de linguagem diferenciada, já era perceptível o que se poderia esperar.

Entre obras que tornaram Beat Takeshi como o rei do cinema policial japonês dos anos noventa, como a obra-prima Hana-Bi – Fogos de Artifício (Hana-bi, 1997) e Adrenalina Máxima (Sonatine, 1993), ele também dirigiu obras que o afastaram do estereótipo de “especialista de gênero”. Quando o fez, os resultados só serviram para lhe trazer mais renome. E Verão Feliz (Kikujirô No Natsu, 1999) é justamente uma dessas obras que compõem uma carreira praticamente impecável, cerebral e constantemente insatisfeita. Como esteta dedicado,  Kitano tem uma preocupação estética quase obsessiva por sempre virar seus caminhos em cento e oitenta graus e nunca fazer um filme genérico de algum predecessor.

Verão Feliz é um road movie diferenciado, ainda que fale do velho tema que rege esse tipo de filme – onde a travessia importa mais do que a chegada: o pequeno Masao, de férias em pleno verão e sem ter ninguém para lhe fazer companhia, é levado através do Japão pelo rabugento Kikujiro, este interpretado pelo diretor, para encontrar a mãe que o menino nunca conheceu. Uma dupla que não poderia ser mais improvável – um ator mirim e um renomado comediante que abandonou o seu passado e agora era visto como um durão de película de marca maior, uma criança inocente e um homem amargo e cínico, juntos através de uma estrada que lhes fará experimentar sorte e azar, medo e diversão, tédio e descobrimento.

Kitano joga com esses elementos o tempo todo; não estamos vendo o filme através de apenas uma ótica, mas de duas. E os personagens não são contrapartes, mas sim, se completam: Masao tem sua pitada de amargura por desconhecer sua progenitora, e Kikujiro, por detrás da máscara cansada, ainda é um brincalhão passional de marca maior. O que restará são os dois quebrarem a casca um do outro, em processo de ajuda mútua. A criança terá que aprender que a vida é bastante injusta às vezes; o adulto tem de deixar o gosto azedo de lado e aprender a sorrir de vez em quando com algo que não seja álcool ou dinheiro. São dois personagens tão desajustados do resto que não é difícil entender porque formam uma dupla tão boa.

É uma relação cúmplice cheia de tumultos e reviravoltas; o filme, por mais afetuoso que seja, não é pacífico, e é todo repleto de discussões e resmungos; tudo isso firmado no estilo lento e introspectivo de Takeshi, que nem por isso deixa de ser tocado sempre à frente, em um exercício narrativo imprevisível – nunca se sabe o que o diretor tem a nos oferecer na próxima cena, pois sua dramaturgia é diferente. E, mesmo assim, apaixonante.

Os planos estáticos, os personagens quase imóveis, os diálogos corriqueiros transformados pouco a pouco em significantes, o humor jocoso e deslocado… A cabeça e a câmera do diretor funcionam em um ritmo diferente e desconfortável mesmo para os já vacinados, e é essa ótica particular de road movie que torna o filme tão diferente.

Antes de perceber, somos cúmplices de Masao e Kikujiro; estamos tão vacinados quanto maravilhados; e antes de perceber, já é hora de dizer adeus e cada um seguir o seu caminho. Mas não sem esquecer das pequenas epifanias dramáticas nem do riso advindo de momentos tão simples quanto mágicos. O verão de Masao valeu de alguma coisa, afinal de contas. E voltamos para casa agradecidos de mais uma vez, ter embarcado em mais uma das viagens malucas e recompensadoras de Takeshi Kitano, em uma de suas obras-primas mais absolutamente ternas e tocantes.

Comentários (2)

Lucas Maciel | terça-feira, 29 de Abril de 2014 - 19:56

Bah, crítica foda para um filme mais foda ainda.

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