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Verão de 84

(Summer of 84, 2018)
6,6
Média
26 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

O perigo mora ao lado

6,0

Em sua narração inicial, o protagonista de Verão de 84 (Summer of 84, 2018) já nos alerta contra a aparente calma e paz que se encontra nas casas do subúrbio americano. É por trás desses cercados brancos, gramados bem cuidados e sorrisos cordiais de bom dia que se escondem os piores monstros da sociedade. Enquanto pedala por sua rua entregando os jornais do dia, o adolescente Davey (Graham Verchere) teme pelo mal que pode se esconder naquela comunidade, após a notícia do desaparecimento de mais um garoto de sua faixa de idade ocorrido na região – provavelmente vítima de um serial killer em atividade procurado pela polícia local.

A paranoia com relação aos vizinhos é um tema que fascina muitos no cinema americano desde que Alfred Hitchcock colocou James Stewart com a perna quebrada xeretando de binóculos o apartamento do outro lado da rua, em Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), dado o potencial material oferecido pela premissa de um possível criminoso perigoso vivendo na casa ao lado. Woody Allen brincou com isso em Um Misterioso Assassinato em Manhattan (Manhattan Muder Mystery, 1993), mas Verão de 84 se aproxima mais de filmes ambientados no subúrbio, como o anárquico Meus Vizinhos São um Terror (The ‘burbs, 1989), de Joe Dante. Mais do que a simples premissa do adolescente desconfiado de que seu vizinho possa estar envolvido em um crime hediondo, o filme também empresta do trabalho de Dante a contextualização temporal, se passando na década de 1980. Num mundo muito menos conectado como o atual, a vida privada das pessoas ao redor é muito mais facilmente mantida, e aí temos o aumento da dificuldade de Davey em saber mais sobre o Sr. Mackey (Rich Sommer), policial carismático e querido por todos, mas que aos olhos do adolescente é o verdadeiro assassino de Cape May.

Verão de 84 surfa na onda atual de Hollywood em evocar a década de 80 no cinema americano, com seus personagens jovens e ingênuos metidos em alguma aventura, como Os Goonies (The Goonies, 1985), mas ao mesmo tempo parece mirar em algo mais ambicioso conforme seu decorrer. Menos inflamado por um imediatismo pela ação e pela correria, o filme se foca a princípio em uma investigação mais suave dos garotos da rua em torno do suspeito, enquanto tenta nesse meio estabelecer uma conexão com os dramas de cada um. Como sempre, há a figura feminina que destoa do grupo – nesse caso, Nikki (Tiera Skovbye), ex-babá de Davey e garota mais velha que povoa a imaginação sexual dele e de seus amigos. Nem sempre esse ritmo menos enérgico funciona para a exploração de algo mais íntimo, mas sim acarreta uma sensação de falta de rumo na história. Pior, não resulta também no desenvolvimento dos personagens.

Enquanto Davey não sai do estereotipo de líder da turma, os demais ficam apenas na sugestão. Eats (Judah Lewis), por exemplo, é o garoto rebelde e aparentemente mais experiente, mas que sofre em casa com uma família disfuncional. Woody (Caleb Emery) é o gordinho da turma obrigatório em todo santo filme do tipo, que até parece ganhar um contorno mais humano com a subtrama de ser criado por uma mãe solteira e alcoólatra. Farraday (Cory Gruter-Andrew), por sua vez, é o inteligente, mas não tem qualquer outra característica a ser explorada e nenhuma trama própria. Nikki, por fim, retrata o conflito também batido do adolescente que se prepara para deixar a cidade pequena e encarar o mundo adulto ao ir para a faculdade. Nenhum dos 5 personagens conseguem sair dos tipos que ocupam na fórmula da aventura oitentista: o líder, o gordinho, o rebelde, o nerd e a garota (sim, a característica exclusiva dela é apenas o fato de ser uma garota).

Quando se aproxima de sua reta final, Verão de 84 finalmente consegue fugir um pouco de sua fórmula infanto-juvenil para se arriscar em algo mais próximo de um slasher, o que destoa bastante da proposta apresentada até ali e não ganha tempo o suficiente para se fincar nisso. Com pouco tempo restante para arcar com o plot twist final, torna-se apenas um remendo de dois tipos de filmes distintos tentando se encaixar, não funcionando muito bem em nenhum deles. Uma pena, dado o talento do trio de diretores em incorporarem bem a ambientação oitentista sem parecer mera emulação saudosista. Talvez um roteiro mais decidido no que quer focar fosse o suficiente para contar essa história tão fácil de comprar e acreditar. Afinal, quem se esquece do que é ser criança e ter uma imaginação tão fértil? E quem mesmo depois de adulto nunca desconfiou de alguma atitude estranha do vizinho sorridente?

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