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Críticas

Cineplayers

Uma história pequena que esconde uma grande ambição.

6,0

Considerado por muitos como o maior ator de sua geração, Philip Seymour Hoffman é um dos profissionais do ramo do cinema mais privilegiado pela oportunidade de interpretar os mais diversos personagens. Desde uma ponta como um jornalista sensacionalista e asqueroso em Dragão Vermelho (Red Dragon, 2002), passando pela consagração do Oscar ao interpretar o escritor homossexual Truman Capote, em Capote (idem, 2005), até o polêmico papel de padre acusado de pedofilia, em Dúvida (Doubt, 2008), Philip nunca deixou margem para questionamento a respeito de seu talento. Não é de se admirar então que, assim como acontece muito nessa indústria, ele tenha decidido ampliar as opções ao se arriscar na direção de um filme. Vejo Você no Próximo Verão (Jack Goes Boating, 2010) é uma primeira tentativa, ainda tímida, mas que esconde atrás de seu simples enredo uma grande ambição por parte do seu realizador.

Talvez passada despercebida, essa ambição do ator começa na hora de escolher uma temática para seu projeto. Ao invés de trabalhar logo de cara com um material muito denso ou difícil, Philip acertou em cheio ao adaptar uma peça teatral da qual ele mesmo já havia participado; uma história leve, ainda que com uma essência bastante comovente. Dentro dos limites de segurança, Vejo Você no Próximo Verão é um filme milimetricamente planejado do início ao fim, com uma proposta pequena que dificilmente desagradará por completo. A humildade dele em escolher esta história como sua estreia na direção prova que o que realmente está por trás disso é um desejo de crescer aos poucos, e nada melhor que uma comédia com pequenos toques dramáticos e românticos para isso. Por começar “de baixo” nessa nova empreitada de sua carreira, será mais fácil no futuro evitar grandes cobranças ou até mesmo inadequadas comparações por parte de público e crítica.

Conduzida basicamente por um único personagem, vivido pelo próprio Philip, essa trama é repleta de momentos agradáveis e singelos, que conseguem muito bem compensar a inexperiência por parte da direção. Jack é um motorista de limusine tímido e introvertido, que passou quase a vida toda fugindo daquilo que lhe desafiava. Decidido a mudar sua condição, ele passará a fazer aulas de natação e culinária, a fim de superar suas dificuldades e assim poder conquistar a igualmente fracassada Connie (Amy Ryan).

Sensível aos problemas seus e de todos que o rodeiam, Jack desenvolve uma visão bem particular do mundo ao seu redor. E está nessa visão a grande sacada do filme, que nos conduz em uma viagem delicada que vai aos poucos sendo tecida em cima da personalidade complexa e difícil de nosso protagonista. Nunca pendendo demais para a análise psicológica e emocional do personagem, a direção é sábia ao inserir diversas situações cômicas que dão leveza à narrativa e impedem que tudo se torne cansativo. A adaptação do texto teatral faz o favor de eliminar excesso de diálogos e os momentos de silêncio e meditação ganham um enfoque maior, também na intenção de tirar o peso que rodeia a composição do personagem original.

Já consagrado e mundialmente reconhecido por sua arte, Philip não precisa provar mais nada a ninguém e por isso parece não temer a reação da crítica e do público diante de seu filme, permitindo-se em um tipo de liberdade pouco comum em produções de diretores estreantes. Sem receios, ele usa de inúmeras referências a sutis técnicas usadas pelos cineastas com quem já trabalhou. Sua maneira de filmar, por exemplo, lembra em rápidos momentos a técnica de Charlie Kaufman em Sinédoque, Nova Iorque (Synecdoche, New York, 2008), e seu cuidado gracioso com seus personagens centrais lembra em muito a dedicação da diretora Tamara Jenkins em A Família Savage (The Savages, 2007). Ao inserir esses pequenos detalhes em um filme tão singelo, Philip acaba realizando a difícil façanha de atribuir força ao seu trabalho.

E está justamente nesse uso inteligente e sutil de referências com os mestres com que já trabalhou (entre eles ninguém menos que Sidney Lumet, Anthony Minghella, Paul Thomas Anderson e Mike Nichols) que encontramos novamente a ambição de Philip, indicando que talvez haja por trás de tudo a intenção de realizar novos projetos na direção pela frente, cada vez mais complexos e intensos, quem sabe. Nota-se nesse ponto uma grande semelhança do ator com o personagem Jack. Talvez Philip também esteja querendo superar suas inibições, realizando metas que até então achasse impossível. Esse paralelismo entre os dois reforça ainda mais a adorável mensagem de superação implícita no filme.

Vejo Você No Próximo Verão é uma primeira tentativa segura e bem executada, apesar de não ser uma experiência marcante. Por trás de tudo, talvez haja um Philip Seymour Hoffman se introduzindo aos poucos nesse terreno, começando com trabalhos aparentemente experimentais, mas com um desejo forte de crescer no ramo. Não podemos esquecer de que foi assim que ele começou como ator, e não seria nem um pouco surpreendente se conseguisse alcançar o sucesso também como cineasta através de seus pequenos truques. Especulações à parte, nada mais concreto do que afirmar que talvez haja um novo-velho talento despontando no cinema americano.

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