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Críticas

Cineplayers

É tudo sobre Pippo.

1,0
Há de se aplaudir a imensa auto estima que o diretor Pippo Delbono construiu pra si. Na abertura da Mostra competitiva, a certeza de que os dez outros longas serão inegavelmente melhores que o imenso carinho em si mesmo que Pippo faz é o melhor sentimento com o qual podemos sair da sessão. A verdade é que Pippo joga nas 11: escritor, músico, ator de teatro, ator de cinema, diretor de teatro, diretor de óperas, ser diretor de cinema pra ele é apenas mais uma entre tantas. Pippo começa observando a si mesmo, seu problema de visão, sua mãe recém falecida, e narrando todas essas questões. Há algum problema com narcisismo? Não, principalmente na arte, repleto de pessoas que matam pela própria imagem. Mas a partir do momento em que você sobrepõe sua imagem a outras, principalmente de pessoas que comumente já têm seu papel usurpado, a situação se agrava. 

A verdade é que Pippo merece ser tratado como o jovem inexperiente que seu codinome/apelido artístico o posiciona, porque os feitos de Vangelo são pessoalmente infantis e rasos, buscando quase sempre os holofotes em detrimento a outros, roubando o alheio inclusive. O filme abre de maneira promissora até, abertamente auto centrado e teria sido melhor continuar desse jeito. Pippo provavelmente viveu anos em conflito com a mãe, recém falecida, uma mulher religiosa com um filho sem fé cristã. Isso aliado à sua experiência física de ter passado por uma operação para corrigir uma anomalia que o fazia enxergar duplamente promove de cara uma aproximação com o objeto filmado: ele, sempre ele. Nenhum problema até aí. Ainda que um longo plano de seu rosto em close tal qual o regente de uma orquestra bata de maneira incômoda ao menos ao crítico que vos fala. Ok, sigamos. 

Aí entra em cena a realização de um desejo de sua mãe, que ele se vê compelido a realizar: filmar o Evangelho. Vangelo parte de uma obra teatral já montada por Pippo, e aqui transposta a câmeras e sets. E mais: utilizando um grupo de refugiados africanos e do Oriente Médio para a frente da lente e criar com a parceria deles um mergulho (inclusive literal, acreditem!) nas passagens bíblicas envolvendo os apóstolos, uma internalização gradual que teria como propósito... bom, se colocar no meio do picadeiro? Porque o que é visto em cena é um longo processo de descaracterização de fala, de montagem canhestra e apropriação cultural bem graves, tirando o que de poderoso teriam naqueles seres humanos com riquezas internas para além de homenagens maternas particulares e reduzindo-os a mera repetição exaustiva de clichês de massa. As cenas se alongam mas nunca se adensam, tendo todas o mesmo caráter fetichista e explorador, com um maniqueísmo que nem se pretende disfarçar. Sua câmera não parece perceber o constrangimento impingido a seus retratados porque simplesmente Pippo não observa nada a seu redor que não a si mesmo, não parece existir qualquer intenção de contextualizar a sério aquelas pessoas sem voz; a dele é a única que importa. 

Chegando ao cúmulo de abortar também aspectos interessantes de sua própria biografia em nome de um holofote que não lhe pertence, o filme nem consegue traduzir a poesia do cotidiano partido como seu conterrâneo Gianfranco Rosi trabalha tão bem, nem parece ir muito longe de um arremedo de Cesar Deve Morrer, se os irmãos Taviani não tivessem o talento pra perceber que os astros dos seus filmes eram mais importantes que a experiência em si, e que roubar luz e fala alheia não somente é de uma grande ignorância narrativa como principalmente bem feio do ponto de vista humanitário. No fim, o "Show do Pippo" não acaba se assumindo como algo relevante nem pra sua própria história nem pra contar a história de ninguém, enquanto unidade ou indivíduo. Apenas uma coleção de repetições de chavões sobre autocentrismo e sobre a situação de refugiados, sem qualquer aprofundamento imagético ou discursivo.

Visto no 6º Olhar de Cinema de Curitiba

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