Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Um marco para o gênero terror de ficção científica, este filme funciona também como uma perfeita analogia política à sua época.

8,0

De certa forma, Vampiros de Almas é um filme com importância semelhante a O Poderoso Chefão. Ainda que a obra de Francis Ford Coppola seja inegavelmente superior em termos cinematográficos, o trabalho de Don Siegel tem seu lugar na história por ter se tornado uma forte influência no gênero da ficção científica, assim como a saga dos Corleone foi para o segmento de máfia e crime. Além de duas refilmagens (sem contar a nova, com Nicole Kidman, em produção), Vampiros de Almas ainda deu origem a filmes como O Enigma de Outro Mundo, de John Carpenter, e Prova Final, de Robert Rodriguez.

A trama é sobre o médico Miles Bennell. Após voltar de um congresso para a sua cidade natal, ele se depara com um fenômeno estranho: diversas pessoas afirmam que seus parentes não são os mesmos, apesar de manterem a aparência física e as lembranças. Incrédulo no início, aos poucos Bennell vai descobrindo que tudo faz parte de uma invasão alienígena, que assume a forma das pessoas para conquistar seu objetivo.

Vampiros de Almas é um filme muitíssimo bem-construído e tenso do início ao fim. Curta (apenas oitenta minutos), a obra se beneficia do econômico roteiro de David Mainwaring para jogar o espectador no clima de paranóia sofrido pelos personagens, sem maiores enrolações. Dessa forma, quase tudo o que se vê na tela colabora para o desenvolvimento da história, dos personagens ou para os efeitos de nervosismo pretendidos pelo diretor. Não há digressões desnecessárias em Vampiros de Almas, imprimindo ao filme um ritmo ágil e eficiente.

O que contribui para isso é também a direção enérgica de Siegel. Sabendo utilizar de forma inteligente a ótima trilha sonora, o cineasta conduz o filme com precisão, mostrando habilidade ao fazer do desespero dos protagonistas algo real (que culmina em uma das cenas mais clássicas do cinema de terror e ficção, com o dr. Bennell correndo como um louco em meio a carros numa avenida).

Este fator, aliás, é fundamental ao satisfatório resultado final de Vampiros de Almas, uma vez que o público realmente acredita na paranóia em que os personagens se vêem envolvidos. Assim, colocando no chão os pés dos personagens, fica muito mais fácil de acreditar em uma história que tem como tema uma invasão espacial. É aquilo que Umberto Eco chamou de “suspensão da descrença”.

Mas nenhuma análise de Vampiros de Almas seria completa sem mencionar o aspecto político da obra. O filme foi lançado em 1956, portanto, logo após o final do McCarthysmo (denominação dada ao período em que o senador Joseph McCarthy provocou uma verdadeira caça às bruxas nos EUA, com o objetivo de encontrar comunistas infiltrados nos mais diversos setores da sociedade americana). No entanto, se a fúria ensandecida do senador havia sido reprimida, a Guerra Fria ainda continuava, e com ela a repulsa aos comunistas “comedores de criancinhas”.

E é impossível não traçar um paralelo entre o que acontecia nos EUA e a história do filme. Agentes comunistas estarem se passando por americanos é uma referência direta ao tema de Vampiros de Almas, com os alienígenas se passando por humanos sem que estes saibam.

Antes que alguém venha dizer que eu sou o paranóico, enxergando pêlo em casca de ovo, o fato de Vampiros de Almas ser uma alegoria do cenário político dos anos 50 nos EUA também pode ser percebido em frases ditas pelos personagens, como quando alguém fala que tem “preocupação com o que acontece no mundo” ou, ainda mais óbvio, quando um dos representantes dos alienígenas parece encarnar Marx e Lênin ao dizer que eles buscam “um mundo onde todos são iguais”.

Outro comentário deve ser feito a respeito do final da produção. Na verdade, duas análises são possíveis, uma apolítica e outra política. Nesta primeira, a conclusão pode decepcionar alguns, uma vez que deixa muito em aberto. Mas o último plano concebido por Don Siegel justifica qualquer possível reclamação, deixando bem claro que Vampiros de Almas é mais sobre o papel desempenhado pelo dr. Bennell em toda a história do que sobre a invasão propriamente dita.

Agora, retornando ao tom político presente na obra, a mensagem é clara: nada está acabado. Neste sentido, o dr. Bennell incorpora a tarefa de qualquer americano patriótico da época, que é a de lutar com todas as suas forças para combater a ameaça comunista que pode destruir a liberdade dos EUA. O comunismo não havia sido erradicado e, mesmo sem a influência de McCarthy, o medo ainda dominava a sociedade norte-americana.

Com importância histórica e cinematográfica, Vampiros de Almas é um filme obrigatório para qualquer cinéfilo. Não é perfeito, deixa algumas perguntas sem respostas (afinal, para onde vão os corpos?), mas tem inteligência, inovação e sutileza na mensagem que tenta passar. Mais do que uma grande obra de ficção, Vampiros de Almas é um relevante documento histórico.

Comentários (0)

Faça login para comentar.