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Turma da Mônica: Laços

(Turma da Mônica: Laços, 2019)
6,7
Média
70 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Tentativa rara, necessária e gratificante

7,0

Em 1959, o até então analista Maurício de Sousa lançou no Correio da Manhã sua tira com o garoto cientista Franjinha e seu cachorro Bidu. Talvez não desconfiasse, mas, junto a outros novos personagens, como Mônica, Cebolinha e Chico Bento criava-se ali um império do entretenimento brasileiro: os gibis são licenciados em mais de 40 países, estampam produtos de higiene e alimentos, já deram origem a filmes de animação e jogos de videogame e viraram parques temáticos. Para onde mais se poderia andar?

Em 2008, veio uma nova revolução editorial para os Estúdios Maurício de Sousa com Turma da Mônica Jovem, que mostrava os personagens eternamente crianças em versões adolescentes inspirados no traço e no preto-e-branco dos mangás, hoje publicada nos EUA. E, em 2012, Maurício de Sousa resolveu ousar novamente com as Graphic MSP, série de graphic novels que contam com reimaginações profundas dos personagens do estúdio, com muitas vencedoras de diversas categorias da HQ Mix, principal prêmio de quadrihos brasileiro.

Turma da Mônica: Laços é baseado na graphic novel homônima dos irmãos Vitor e Lu Caffagi, que escreveram e ilustraram a obra, até hoje maior sucesso de vendas do selo, onde o travesso e inteligente garoto Cebolinha tem seu cachorro sequestrado, o lhasa apso verde Floquinho, e conta com a ajuda dos seus amigos, a forte Mônica, a esfomeada Magali e o sujinho Cascão para se embrenhar na floresta vizinha ao parque municipal do Bairro do Limoeiro e descobrir o paradeiro do seu cãozinho.

O diretor Daniel Rezende, responsável pelo destaque recente Bingo - O Rei das Manhãs, biografia disfarçada da caótica vida do intérprete brasileiro do Palhaço Bozo, volta em sua nova adaptação cinematográfica com um desafio e tanto nas mãos, pois a Turma da Mônica fez e faz parte do imaginário infantil das últimas décadas e evidentemente é de se esperar que grande parte do público tenha reações das mais diversas da sua “reimaginação da reimaginação”.

É o que pode se dizer é que o diretor vai além das meras boas intenções e entrega um produto que, ainda que evidentemente comercial, carrega consigo bastante coração. O diretor sabe como fazer referenciais famosos funcionarem sob novos contextos e Turma da Mônica: Laços guarda um parentesco óbvio com obras infanto-juvenis clássicas das décadas de oitenta como Os Goonies e Conta Comigo: algo facilmente identificável quando vemos como os protagonistas são disfuncionais (tanto que são conhecidos por defeitos como a dislalia de Cebolinha, os dentes pronunciados de Mônica, etc.) mas como atuam juntos como um organismo vivo e responsivo às interações externas, que passeiam tanto pelo conto de amadurecimento (em uma trama sobre descobrir o mundo), por situações infantis típicas (provocações e brigas tolas com outras crianças) e até por momentos um pouco (mas não muito) sombrios, como a sequência do cemitério ou a revelação do antagonista.

Rezende acerta em conseguir uma fluência no elenco: falando, as crianças se sobrepõem, discutem, concordam e mudam de ideia em velocidade estonteante. Pode-se dizer, inclusive, que atuações mais convencionais, como Paulo Vilhena como Seu Cebola e Mônica Iozzi como Dona Luísa, são engolidos frente à essas performances enérgicas. A câmera frequentemente ressalta esse aspecto, enquadrando aquele mundo fantástico à altura da linha de visão das crianças, onde tudo é gigantesco, fantástico ou ameaçador.

Rezende confia mais na relação ator-câmera que qualquer outra coisa, usando habilmente em momentos pontuais grandes planos gerais e tomadas aéreas de drone para simbolizar momentos chave em relação ao deslocamento dos personagens. De resto, tudo pode ser dito que a encenação é profundamente simbiótica, e nada atesta mais isso do que justamente a pequena participação de Rodrigo Santoro (300) como o personagem Louco: o clássico personagem das HQs que vive para atormentar Cebolinha ganha uma performance  à lá clown bem criativa de Santoro, com Rezende acompanhando com panorâmicas vertiginosas, falsa continuidade e quebras de eixo de câmera. Talvez a melhor cena do filme, criativamente falando.

Se há um problema notório, é que o roteiro de Thiago Dottori (VIPs - O Filme) muitas vezes apela para um didatismo algo forçado e sentimental nos diálogos, em contraposição às performances enérgicas, não soando lá muito espontâneas. Também há uma dificuldade em transformar as 80 páginas de HQ em uma hora e meia de filme, e pela metade da projeção há uma certa patinação no ritmo bem evidente, com uma certa sensação de “barriga” prolongando o caminho para a conclusão. Encaixado em um momento algo tenso e algo triste, a suave canção “Laços” de Thiago Iorc não foi encaixado com o melhor timing do mundo em matéria dar fluidez narrativa de atmosfera, ficando um pouco contrastante.

Ainda assim, difícil resistir ao charme da obra, em iguais partes hilária e emotiva. Se é o filme que sempre quisemos ver da Turma da Mônica, vai de cada um; mas que em certo nível é um tipo de tentativa de cinema blockbuster que pouco se tenta no nosso panorama atual, isso é inegável, e tratando-se de um produto tão querido da nossa infância é mais do que gratificante que o resultado tenha sido acima da média.

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