Já virou parte da tradição dos filmes natalinos a figura do personagem reclamão, ranzinza ou avarento que, diferente da maioria, detesta comemorar o Natal e não enxerga nessa data as belezas e virtudes humanas se destacado. O caminho que eles percorrem é a simples via de aceitação e compreensão do verdadeiro significado da comemoração, até que por fim se rendem às luzes coloridas, ao peru, à reunião familiar e até ao próprio Papai Noel. O humorista Leandro Hassum, muito antenado às tendências, pega carona nessa narrativa já velha conhecida para explorar o nicho de feriados de fim de ano com sua nova comédia familiar que estreou recentemente na Netflix: Tudo Bem no Natal que Vem (idem, 2020).
Como um Grinch moderno e tupiniquim, Hassum dá vida a um pai de família que faz aniversário no mesmo dia do Natal, mas que detesta o feriado e todas suas tradições. Sua esposa e casal de filhos, no entanto, amam comemorar a data com toda a família e agregados reunidos, o que só aumenta o martírio do protagonista Jorge. Após um acidente envolvendo uma fantasia de Papai Noel e uma mal sucedida encenação no telhado de casa, somada a uma praga proferida supreendentemente pelo avô vegetativo de sua esposa, Jorge agora acorda sempre nas vésperas de natal, sem conseguir lembrar de nada do que fez o resto do ano que passou. Suas únicas lembranças são os últimos natais, de modo que ele acaba preso nessa espécie de Feitiço do Tempo (Groundhog Day, 1993) natalino.
A ideia de Tudo Bem no Natal que Vem parte do pastelão de Hassum e suas desventuras de se ver preso sempre ao dia de Natal, sem jamais escapar da sina que sempre o assombrou desde a infância por nunca conseguir comemorar seu aniversário sem ser ofuscado pelo aniversariante mais importante da religião cristã. Nesse ponto, o filme acaba acometido pela mesma desgraça de seu protagonista: um sem-número de piadas que se repetem exaustivamente, cada vez menos engraçadas, ancoradas nas caras e bocas do ator que nunca esteve tão acima do tom em seu humor. Por mais que seja um trabalho que permita os exageros, que abrace a caricatura do cidadão de classe média brasileiro, Hassum consegue extrapolar esses limites e acaba destoando demais de todos e forçando demais a barra no intuito de provocar risadas em cada singular linha de diálogo. Um ou dois tons abaixo e sua construção do homem saturado da vida ordinária seria certeira e talvez salvasse a baixa qualidade geral das piadas.
O acerto do filme vem, por incrível que pareça, da lição de moral que ele carrega e da carga dramática que ela traz, embora não seja nenhuma novidade. Ao longo dos anos e de tantos natais, Jorge recebe uma promoção no trabalho e acaba deixando que o dinheiro o corrompa e o torne um homem desonesto, mulherengo e que mal valoriza a família. Somente no Natal que ele acorda para o balanço e percebe o estrago que está fazendo da própria vida, tentando reverter os erros que cometeu ao longo do ano que passou. Nesse ponto, o filme se revela um dos mais inteligentes na exploração do tema natalino em si: o natal e suas tradições são as ferramentas de perspectiva pelas quais o espectador é permitido avaliar o decorrer da vida humana, suas conquistas, frustrações, perdas, sonhos, evoluções e arrependimentos.
Tudo Bem no Natal que Vem talvez surpreenda justamente por acertar mais nessa reflexão melancólica de vida do que em sua comédia já saturada e desgastada por cacoetes e vícios tanto de Hassum quanto dos programas de humor televisivo que ele traz consigo para o cinema. Nas mãos de alguém mais sensível talvez funcionasse como uma comédia de costumes agridoce, mas ainda assim tem um apelo universal que muito provavelmente conversará bem com a maior parte do público da Netflix. Surpresa maior é ver Hassum funcionando muito melhor e com maior envergadura nos momentos dramáticos, enquanto decepciona dentro do terreno cômico onde se criou e faz sucesso.
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