Um dos melhores filmes de suspense de todos os tempos consegue ser também um espetáculo para o grande público.
O cinema de entretenimento americano pode ser dividido entre antes e depois de Tubarão. Isso porque Steven Spielberg criou uma obra tão forte que arrastou multidões aos cinemas, sendo considerado o primeiro grande Blockbuster da história. Lógico que sempre houveram filmes para divertir as pessoas sem maiores propósitos reflexivos, mas depois de Tubarão, trabalhos assim começaram a ser feitos para arrastar as pessoas premeditadamente aos cinemas, e não deixar que o grande público fosse conseqüência de um trabalho final. Tanto é que, depois do sucesso deste filme, fadado ao fracasso antes de seu lançamento pelos próprios envolvidos no projeto, três seqüências bem inferiores surgiram pelas mãos de outras pessoas.
A história gira em torno de Martin Brody (o sempre excelente Roy Scheider), o novo chefe de polícia da pacata cidade de verão Amity, nos Estados Unidos. Nas vésperas do feriado de 4 de Julho, época onde os turistas invadem as cidades litorâneas e injetam muitos e muitos dólares extras na economia local, um tubarão branco ataca uma banhista numa área onde ele não deveria estar. O problema fica maior quando o tubarão não vai embora após essa refeição e, de tempos em tempos, começa a fazer novas vítimas. A única solução para acabar com essa onda de mortes é matar o incansável predador.
A tensão dramática fica por conta de dois pólos diferentes na trama. Na primeira metade do filme, o que domina é o teor político que a situação gera, uma vez que o prefeito Larry Vaugh (Murray Hamilton) não quer fechar as praias para que não perca a renda que essa época do ano proporciona, contrariando a vontade do chefe de polícia Brody. Ainda nessa parte, os ataques do tubarão se limitam ao subjetivo, nunca vemos o ser em si. Tudo é construído através da linguagem cinematográfica, onde a sobreposição dos planos cria o sentido que a cena deseja alcançar. Esse tipo de construção ajuda muito a manter a tensão, criar a expectativa em torno da aparição do tubarão, mas sem se tornar chato ou repetitivo.
É nessa primeira parte onde tudo se desenvolve. Conhecemos a cidade, sabemos que não existem crimes sérios por lá, onde a aparição do tubarão se torna a primeira ameaça real à vida das pessoas em muitos anos. Desenvolve-se também a dimensão que tudo vai tomando, por causa do aumento das vítimas devido a imprudência do prefeito. Quando há um ataque do tubarão, este não decepciona mesmo não aparecendo, por causa do belíssimo trabalho sensível feito por Spielberg. Quando vemos uma pessoa sendo chacoalhada de lá para cá, ou quando uma poça de sangue surge logo após uma tomada submersa, sabemos o que está acontecendo. Não ficamos perdidos nunca, e nem a tensão se perde em meio disso.
A simples presença da música dá vida ao personagem. Sem ela, muito da graça estaria perdida. Não vemos o tubarão, mas temos a junção imagem mais trilha sonora, que caracteriza sua presença. Com duas simples notas, tocadas em tons diferentes, ritmos diferentes ou qualquer outra variação possível, John Williams fez mais um trabalho magnífico e deu vida ao ser ‘invisível’ às lentes, pelo menos durante boa parte da produção. A genialidade acabou reconhecida e resultou em dois Oscar importantes, o de Melhor Som e Melhor Trilha Sonora, além de diversos outros prêmios internacionais. Até hoje, com trinta anos passados, as pessoas ainda identificam as pesadas notas quando aparecem em algum programa ou referência.
A segunda metade do filme destina-se à caçada do animal em si. E, mesmo nessa segunda parte do filme, só depois de vinte minutos é que o ‘monstro’ aparece. Exatamente nesse momento, quando ele revela o seu colossal tamanho, é minha cena preferida do filme. O chefe Brody estava tranqüilo e calmo, atirando alguns pedaços de carne na água para atrair o tubarão, enquanto olhava para dentro da cabine e brincava com Quint. Nessa hora o tubarão salta da água e assusta Brody (e a nós), que se levanta e vai caminhando lentamente até dentro da cabine, de costas, e diz para Quint: "Você precisa de um barco maior". Simplesmente genial.
Genial porque tubarão não mantém sua tensão em sustos fáceis de som alto com imagens assustadoras, e sim por conseguir prender o espectador na cadeira, dando-nos a perfeita noção do quão perigosa é a situação de nossos protagonistas. Ao invés de nos assustarmos e começarmos a rir da situação, continuamos tensos esperando o que vem a seguir. E isso não se refere a um ou outro momento da projeção, e sim durante todo o tempo. Há comédia, há críticas, há drama, mas quando o perigo ronda algum dos personagens, desculpem o trocadilho, o bicho pega para eles.
De nada adiantaria todo o suspense gerado em torno da aparição do tubarão se ele decepcionasse quando surgisse. Felizmente, quando o faz, realmente assusta. Seja pelo tamanho impressionante, seja pela destruição que causa, seja pelo belíssimo trabalho de construção. O mais importante é que nunca deixa de convencer. Ele faz coisas impossíveis na realidade, mas em um filme que adota claramente a ficção de fatos e características para contar uma boa história, isso se torna viável. Dentro do filme, digo que é verossímil.
Tocando na questão política do filme, o tubarão é retratado de maneira cruel e maligna. Só que tubarões brancos não são assim. Eles comem quando se alimentam, e não por pura maldade ou vingança, como o filme aponta. Por haver pessoas que não tinham isso em mente quando fora lançado (algumas ainda não entendem isso até hoje ao dizer o porquê não gostam de Tubarão), quase que a espécie branca entrou em extinção devido à caçada predatória realizada por nós, as vítimas no filme.
Roy Scheider embarcou na aventura de Spielberg quase que sem querer. Ambos estavam em uma festa quando Sheider se aproximou do diretor e eles foram apresentados. O que chamou a atenção do ator é que Spielberg conversava com alguém algo do tipo "aí o tubarão pula em cima do barco e o parte ao meio!". Scheider, curioso, procurou saber sobre o que estavam falando e, assim, acabou entrando para a produção. Spielberg já era fã de seu trabalho desde que o vira contracenando com Gene Hackman no maravilhoso Operação França. Se não bastassem as belíssimas interpretações de Richard Dreyfuss, que fez o especialista em tubarões Matt Hooper; de Robert Shaw como o arrogante e amargurado Quint; de Lorraine Gary como a esposa de Brody; e de Murray Hamilton como o prefeito da cidade, todos os atores combinaram perfeitamente com seus papéis, algo cada vez mais raro de se vez nos filmes de suspense.
Ninguém queria dirigir mais a obra do que Steven Spielberg. Ele via potencial na história e já tinha dirigido algo parecido há pouco tempo. Em 1971 ele fizera o maravilhoso Encurralado, filme de estréia em longas metragem no qual um homem comum começa a ser perseguido por um desconhecido caminhoneiro. Com Tubarão, a fórmula se repetira, mas de maneira diferente. Para o diretor, fora como uma continuação. Homem normal perseguido pelo desconhecido. Sai o motorista, entre o chefe da guarda, sai o caminhão, entra o tubarão. A essência é a mesma. Até mesmo o som de dinossauro, para representar o fim da trajetória, foi reprisado aqui.
Baseado em um livro de Peter Benchley, ninguém da equipe sabia se o resultado ia ser positivo ou não quando o filme foi lançado. Estavam todos arriscando suas carreiras por algo novo, ousado e torcendo para que não fosse uma ressurreição dos filmes B de monstros. O resultado foi milhões e milhões de dólares para a Universal Pictures, um alavancamento na carreira da equipe envolvida, três Oscar da Academia (os dois já citados e o de Edição) e uma obra-prima inesquecível do suspense que lançou a moda Blockbuster americana. Alguns podem o condenar por isso, mas que é uma delícia essa caçada que Spielberg construiu, isso é.
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