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Críticas

Cineplayers

Um momento de vigor artístico no Brasil, porém repleto de contradições – ou não!

8,0

Para um filme sobre a Tropicália, uma forma tropical. Talvez seja a partir desse pressuposto (parodiando Eisenstein) que seus realizadores criaram este documentário, repleto de elipses temporais, espirais imagéticos, um trabalho de animação vertiginoso, cheio de sobreposições de formas e cores primárias. Tropicália, o filme, é sobretudo um trabalho de edição, um recorte bem delineado com depoimentos atuais, mas que se baseia majoritariamente na ideia de imersão no universo de filmes e imagens de arquivos representativos daquele momento, tentando estabelecer com o espectador uma conexão com a aura da época. A nostalgia é a tônica maior, acima das conotações políticas ou sociais do movimento – sendo, portanto, uma narrativa leve e, em certa medida, despretensiosa  - e gostosa de ver.

Para começar a narrar as origens do movimento, o diretor Marcelo Machado parte de um instante derradeiro: Caetano Veloso e Gilberto Gil em uma apresentação de TV em Portugal, exilados, anunciando que a Tropicália, como movimento, já não existe mais.  Curioso o destino das duas principais figuras desta cena da música brasileira, sentenciados a viver fora de seu país, na Europa. À época, ao surgimento da Tropicália, as guitarras elétricas e a psicodelia eram ingredientes que denotavam uma estridente influência do tipo de rock experimental que estava ganhando força na metade dos anos 60 ao redor do mundo. Uma negação à cultura brasileira. Os nacionalistas, esquerdistas e a classe intelectual acusavam o grupo de submissão à cultura estrangeira, ao colonialismo norte-americano.

O que é bastante emblemático em cenas de arquivo que resgatam a forma hostil como Caetano Veloso e Gilberto Gil foram recebidos em um encontro na USP.  Caetano reitera, já no início do longa, nunca ter sido de militância nacionalista, que achava isso de um radicalismo bobo e infantil, uma vez que ele pessoalmente gostava de cinema estrangeiro e da música norte-americana, e não poderia simplesmente negar isso. E talvez resida aí justamente o ponto de vista abordado em Tropicália: o sincretismo, a síntese de uma cultura genuinamente brasileira em consonância com as transformações sociais e poéticas que eram iminentes ao redor do mundo pelas mais diversas razões, e que não poderiam deixar de influenciar a forma de se conceber música popular no Brasil. Afinal de contas, a própria semana de arte moderna de 1922 pode ser vista, aos olhares mais xiitas, como uma atualização da colonização cultural a qual o Brasil sempre foi submetido.

Pensado nos dias atuais, pode parecer risível passeatas contra a guitarra elétrica, este instrumento ser encarado como signo do imperialismo da cultura americana. Mas, neste sentido, os Tropicalistas remavam contra a maré em vários sentidos, pois não eram nem bem vistos pelo regime da ditadura militar, por sua atitude e postura transgressoras, tampouco pelos nacionalistas, pela ala esquerda, que acreditavam que a expressão dos tropicalistas se resumia a copiar os gringos. Desconfiança não gratuita: o álbum Caetano Veloso, de 1967, tem quase muita parecida com a de Disraeli Gears (1967), da banda britânica Cream (de Eric Clapton), ainda com algo de Flowers (1967), dos Rolling Stones. Tropicália ou Panis Et Circenses (1968), o álbum coletivo mais representativo do movimento, tem influência descarada, visual e sonora, de Sgt. Pepper Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles. Porém, nada disso é mostrado no filme diretamente – há certa condescendência com seus mentores. Compreensível, afinal de contas, eram artistas que tocavam canções como Asa Branca a London, London.

Mas neste momento cabe uma reflexão: qual é a música brasileira? Engana-se quem pensa que a Bossa Nova veio exclusivamente do samba, pois está diretamente mais relacionada aos standards de Jazz norte-americanos, ao cancioneiro popular daquele país – seja pelas estruturas harmônicas, enormemente influenciadas, ou pelo vocal sussurrado de Chet Baker.  A Jovem Guarda, ainda um rescaldo da época do rock inocente de Celi Campello (absolutamente norte-americano) pouco fazia além de várias versões em português de bandas inglesas que estavam despontando nos Estados Unidos no início da década, como Herman’s Hermits,  The Hollies, e, claro, The Beatles -  ainda com algo que estava em evidência no pop italiano e francês. Entretanto, isso não é uma constatação de teor negativo, pelo contrário. Trata-se de um fenômeno mundial, e praticamente inevitável, que nações que tenham o controle econômico deem origem a estilos, tendências culturais quem venham a ser incorporadas em outras nacionalidades, porém com identidades próprias – o que não deslegitima sua qualidade artística. Afinal, do rap politizado de periferia dos Racionais MCs ao sertanejo de raiz Tonico e Tinoco, todos têm influencias norte-americanas bem evidentes.

Historicamente, a Tropicália coloca diversos artistas sob um mesmo rótulo. Então, não raro encontrar definições de que Glauber Rocha com Terra em Transe (1967) e as instalações do artista plástico Hélio Oiticica estejam sob o mesmo guarda chuva que Maria Betânia, Tom Zé, Jorge Benjor e Os Mutantes - há uma imagem de arquivo em que Glauber se posiciona alheio ao movimento. A participação de Tom Zé é impagável. No entanto, fica bem claro o foco que o documentário propicia, ao longo de pouco mais de uma hora, ao centralizar a matriz criativa e epicentro que unia a todas essas forças nas personalidades de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mais do que um movimento, que um posicionamento político, a Tropicália foi um momento: de intensa criatividade, de ímpeto juvenil, de liberdade, de efervescência cultural, de um sonho verdadeiramente brasileiro. A história da cultura popular ocidental parece marcada por esses momentos mágicos, a medida que eles surgem, e tão brevemente se evaporam, mas que deixam marcas indeléveis. Tropicália, o documentário, é um retrato honesto e nostálgico com o seu legado.

Comentários (7)

Marcos andré Pereira | quinta-feira, 20 de Setembro de 2012 - 17:49

o sertanejo é a mais importante principalmente pra voce q mora em uberaba né adriano ? kkkkkk

Adriano Augusto dos Santos | sexta-feira, 21 de Setembro de 2012 - 11:42

Mais importante depende de cada né ?
Pessoalmente é a minha ! rsrsrs

Mas que por esses lados só toca isso é verdade.
Mas funk e universitario também tem muito...credo.

Júlio César Filho | sábado, 22 de Setembro de 2012 - 17:26

"A música mais brasileira que existe é o sertanejo (depois o axé)." Putz!!!!!!!!!!!

Gian Luca | terça-feira, 20 de Novembro de 2012 - 22:49

"A história da cultura popular ocidental parece marcada por esses momentos mágicos, a medida que eles surgem, e tão brevemente se evaporam, mas que deixam marcas indeléveis. Tropicália, o documentário, é um retrato honesto e nostálgico com o seu legado."

Exatamente. Um filme que é até certo ponto realmente despretensioso e com uma montagem que é a cara do tropicalismo. Lindo de se ver!

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