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Críticas

Cineplayers

Padilha usa fórmula de blockbuster de ação para fazer um filme complexo e contundente.

8,5

É difícil passar impune pelo projeto Tropa de Elite. Não só porque o ruído é enorme, mas também porque Padilha acessa várias questões cruciais do ethos brasileiro e isso incomoda muito em tempos politicamente fluidos como o nosso, onde assumir um lado é menos importante do que sobreviver.

Não presenciei o comentado episódio das palmas ao final do filme, mas isto toma aparência de sintoma num povo que sabe identificar os problemas do país, se alegrando em aplaudir alguém que tenha a energia de verbalizá-los, ainda que ao sair da sala escura nos mantenhamos distantes, xingando muito no Twitter.

Essa atitude passiva só não é pior do que o personalismo, denunciado por Roberto da Matta como o combustível que move as relações pessoais desde os tempos do refúgio da Corte Portuguesa no Brasil, marcando o país e muito especialmente o Rio de Janeiro com o ranço dessas relações, e em Tropa 2 isto é corporificado ao ponto de interferir em decisões políticas de grande impacto social mesmo que o protagonista atribua ao "sistema" - esse monstro sem rosto - tudo o que vai descobrindo ao longo do filme.

A rede de micropoderes gerada pela fórmula armas + atribuições do poder constituído + corrupção engatilha uma máquina fascista e complexa que massacra cotidianamente uma bruta porção de gente. Ao se dar conta disso, Beto Nascimento se aproxima de Antônio das Mortes ainda que Padilha e Glauber estejam separados por tempos muito distintos, tanto politicamente quanto em relação à situação da indústria cinematográfica nacional.

Vale a pena exercitar a retórica tomando como ponto a linha que liga Nascimento e Das Mortes, personagens que até nos nomes mantém uma relação semântica no mínimo curiosa. Se Glauber Rocha dirigia filmes num tempo em que escolher um lado do discurso para se entrincheirar era tão importante quanto criar as bases para uma estética cinematográfica propriamente nacional, José Padilha chega às telas com um produto totalmente formatado à maneira dos blockbusters norte-americanos de ação e amparado por bastante apelo popular. A era das revoluções românticas cinematográficas enterrada num único golpe de coturno militar 43. Cada tempo erigindo seus heróis, ainda que a lição seja a mesma para ambos. Neste contexto, evocar Batman - O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008) também vale porque o ex-capitão Nascimento pode não ser o herói que queremos e sim aquele que as condições politico-sociais permitiram surgir, e neste contexto tanto o Cavaleiro quanto Tropa recebem críticas semelhantes com relação a seus heróis.

O idealizador do projeto Tropa de Elite foi confundido com seu personagem e depois acusado de não assumir uma posição diante das discussões levantadas de maneira aparentemente leviana pelo primeiro filme. Tropa de Elite 2 o liberta disso, ainda que de maneira problemática e bem menos didática do que todo o discurso que percorre o filme. A virada deste segundo filme fecha as arestas da ambiguidade que pairava sobre o fictício comandante do BOPE em sua jornada de autoconhecimento, ainda que o resultado seja utópico e pesado demais para um capitão só.

Sem economizar no melodrama, o filme junta a clássica história do homem que se distancia da família para cumprir sua missão ao plot onde bad cop e good cop se juntam para combater o mal comum, fazendo de Nascimento uma mistura de Rambo - Programado Para Matar (First Blood, 1982)  e Stallone Cobra (Cobra, 1986), com um gostinho de Duro de Matar (Die Hard, 1988).

Apesar dessa masculinização pulsante o projeto Tropa de Elite 2 também fala do destronamento do homem contemporâneo, que neste caso encontra uma saída ultraviolenta para uma vida social em frangalhos. Convidado a se retirar do posto de líder familiar, resta ao macho clássico o refúgio na busca por poder. Esta frustração aliada ao acesso à estrutura militar e armamento pesado fundamentam a criação da maioria dos personagens apresentados pelo projeto de Padilha e a cena mais representativa desse declínio é a conversa entre pai e filho, transferida para um tatame, onde o filho sentencia não ter medo do pai.

O apelo popular da trama que representa figuras do cenário político e midiático cariocas serve de denúncia disfarçada sobre todo um esquema de corrupção atentando para a multiplicação em nível nacional destes mesmos personagens. Além disso, outra ponta de força do projeto é mesmo a empatia criada por Wagner Moura e seu capitão. Confuso e deprimido, só lhe resta a altivez e sua voz em off rondando nossa cabeça.

Por isso mesmo talvez fosse preciso analisar Tropa de Elite por dois vieses: os das questões propriamente cinematográficas, cuja execução coloca o cinema nacional em paridade com a produção de arrasa quarteirões internacionais sem com isso agregar nada de novo ao modelo, copiando sem alterações muitas das fórmulas consagradas para a criação de um blockbuster. Por outro lado, a força de expressão com que Padilha conta sua história instala o mal estar em qualquer bom ou mau cidadão - e já dizia alguém que a boa arte é aquela que satisfaz os perturbados e perturba os satisfeitos.

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