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Críticas

Cineplayers

O fantástico sobre o real.

7,0
Embora carregue alguns títulos na bagagem que, entre umas e outras, podem ser taxados de realistas, como o memorável Náufrago ou o mais recente O Voo, Robert Zemeckis sempre teve os pés firmados no chamado cinema fantástico e /ou espetaculoso. O que não é pra menos, afinal, estamos falando do responsável pela popular trilogia De Volta para o Futuro e dos visualmente ambiciosos O Expresso Polar e A Lenda de Beowulf. Estas características de Zemeckis encontraram uma fusão deveras inteligente no passado com o premiado Forrest Gump – O Contador de Histórias, história fabulosa de um jovem problemático em meio a uma narrativa típica dos mais belos contos de fadas que o inseria em diversos momentos importantes na história dos EUA.

Mais de vinte anos depois, Zemeckis volta a abordar uma história real que consiste na figura de Phillipe Petit (Joseph-Gordon Levitt), único ser que, nos anos 70, atravessou e se equilibrou entre o espaço das torres gêmeas mesmo antes das mesmas estarem prontas. O ato do equilibrista foi ilegal e quebrou diversas leis vigentes, mas alcançou notoriedade no mundo todo. O feito já havia sido levado para as telas no documentário vencedor do Oscar O Equilibrista, e Zemeckis, ao querer trazer uma nova abordagem para a história, se utilizou de suas habilidades visuais para narrar o passado e a construção do plano de Petit através de um inesperado tom de fábula.

Zemeckis, de fato, nada mais trata a história pelo que ela realmente é: um tremendo e quase inacreditável absurdo. Desde os primeiros instantes de projeção, onde temos o personagem de Levitt sobre uma narração em off em cima da Estátua da Liberdade e com as Torres Gêmeas ao fundo, o diretor não deixa o espectador que está diante de uma brincadeira do próprio sobre um fato que apenas os que estavam e encararam o ato no dia conseguem acreditar completamente. O ritmo imposto por Zemeckis é acelerado, colorido (com direito a alguns momentos ainda em preto-e-branco), quase infantil e acompanhado por uma elaboração visual ressaltada pelo 3D (que será mais comentado adiante), algo que talvez fará alguns espectadores acharem difícil comprar ou aceitar a proposta da fita em não se ater ao intimismo (ou realismo, como gostamos de chamar).

E se de início o tom de fábula, de fato, soa com estranheza (assim como o sotaque francês carregado de Levitt), não demora para que os que se permitirem embarcar consigam se maravilhar com a ambiciosa e intensa jornada do artista em busca da realização máxima para sua arte. E de fato, A Travessia pode, ou até mesmo deve ser encarado como uma ode à própria arte e também uma indagação sobre o que ela representa para seu executor. Phillipe era um equilibrista, e enxergou naquele espaço vazio entre as torres no céu a oportunidade de alçar seu voo máximo rumo àquilo que o fazia se sentir realmente vivo. Loucura? Sem dúvida. Uma atitude inútil? Talvez sim, talvez não. E quando os próprios parceiros de Petit começam a cambalear em ajudá-lo a subir nas torres, pouco importa para o mesmo, pois é para ele que aquela atitude irá assumir um significado.

Zemeckis, como o belo artesão de imagens que é, traz em sua obra algumas das mais encantadoras cenas e momentos do ano. O uso do 3D, em especial, assume um papel importantíssimo ao levar ao espectador a própria sensação de vertigem de Phillipe quando este se encontra em cima dos prédios, ou mesmo na noção de profundidade do cenário, que destaca detalhes importantes aos quais o espectador deve manter a atenção; portanto, esqueçam o típico costume dos filmes tridimensionais em atirar objetos no público. Zemeckis também elabora encantadoras cenas de transição, que criam uma economia narrativa em perfeita coesão com a velocidade em que a história é contada.

Joseph Gordon-Levitt, apesar de não possuir nenhuma semelhança física ou fácil com o verdadeiro Petit, é deveras feliz em transmitir ao espectador a euforia do equilibrista sobre seu plano, e o quanto o mesmo é devoto à sua arte. E se há pecados em A Travessia, é o fato de que ele pouco nos deixa sobre o que comentar acerca do restante do elenco, cuja maioria apenas assume pequenas funções para Petit alcançar seu objetivo. Dentre eles, destaca-se apenas Ben Kinsgley como um dos antigos mentores de Petit e que lhe ensinou todos os segredos sobre a arte do equilíbrio.

Contando com apenas mais um incômodo que são as lentes de contatos azuis fajutas de Levitt e sua maquiagem que lhe deixa com a pele digna de um boneco de cera, A Travessia é um dos mais bem-sucedidos êxitos visuais do ano. O clímax, intenso e muitíssimo bem orquestrado, certamente traz alguns dos momentos que ratificarão o sucesso da obra em sua empreitada, que em meio à loucura do plano de Petit e aos próprios recursos de Zemeckis para ressaltar esta insanidade, é perfeitamente capaz de empolgar o espectador e, por que não, até levá-lo às lágrimas.

Comentários (3)

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 20 de Outubro de 2015 - 07:51

A foto de Petit cruzando as torres foi enviada por Iñarrítu para cada um dos envolvidos em Birdman, para que tivessem uma noção do quão delicada e difícil seria a tarefa.

Isso não tem nada a ver com a crítica, que tá muito boa, Rafael, mas deu vontade de comentar....

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