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Críticas

Cineplayers

Uma fábula moral de Ridley Scott.

5,0
J. Paul Getty foi uma das figuras mais interessantes e trágicas do século XX. Um dos primeiros empresários a alcançar a marca de um bilhão de dólares através dos seus investimentos na área do petróleo e pioneiro em negociar com figurões importantes do Oriente Médio, o empresário americano conheceu em sua vida pessoal uma série de desgraças. Seu filho John Paul Getty, Jr. acabou entrando de cabeça no clima contracultural dos anos 70 e tendo um problema de vício em drogas por anos. A natureza implacável do magnata também o levou a alienar virtualmente toda as famílias que constituiu ao longo das décadas de vida. 

Mas nenhum caso ligado à sua vida pessoal deve ter sido tão famoso quanto aquele que Ridley Scott retrata em seu novo filme Todo o Dinheiro do Mundo: o sequestro do seu neto John Paul Getty III pela máfia calabresa ‘Ndrangheta. O jovem, que mais tarde seria pai do ator Balthazar Getty (de filmes como O Senhor das Moscas, Assassinos Por Natureza e A Estrada Perdida) foi sequestrado aos 16 anos e mantido em cativeiro por cerca de cinco meses. Boa parte da demora deu-se pelo implacável e avarento avô negociar o resgate inicialmente solicitado de 17 milhões de dólares.

Os personagens de Ridley Scott estão quase sempre fisicamente cercados por algo muito maior que eles. Ellen Ripley, de Alien - O Oitavo Passageiro, Rick Deckard, de Blade Runner - O Caçador de Andróides e Máximus Décimus Meridius em Gladiador, são três exemplos clássicos da filmografia do cineasta. Aqui o padrão se repete, com a ex-sogra de Getty Gail Harris (Michelle Williams) sem dinheiro, sem recursos e sem contatos para conseguir salvar o filho, bem como o próprio J. P. Getty III (Charlie Plummer), vendo sua humanidade ser destituída de si e tornando-se apenas uma moeda de troca para a máfia italiana. E junto à ‘Ndragheta, o avô John Paul Getty surge como o grande antagonista da trama - tal como eram o alienígena que invadiu a Nostromo e o imperador Commodus.

Há um thriller de certa qualidade em Todo o Dinheiro do Mundo - infelizmente enterrado em subtramas que ocupam espaço demais, com muitas cenas afirmando o mesmo ponto de novo e de novo. Christopher Plummer foi uma bela adição de última hora, sabendo soar tão frágil quanto monstruoso na pele do bilionário, mas Ridley apresenta tantas cenas mostrando de novo e de novo a usura do seu personagem que outros dramas mais urgentes e ameaçadores são até esquecidos - o dia-a-dia sufocante no cativeiro de Getty III, acaba tendo o seu destaque cada vez mais diminuído.

Dentro desse aspecto de thriller seguido pelo filme, há também o arco daqueles que tentam ativamente lidar com a máfia e recuperar o adolescente sequestrado, caso de Gail Harris e Fletcher Case (Mark Walhberg), ex-agente da CIA e consultor de Getty, que efetivamente fazem a trama andar para a frente - mas não muito, pois Scott “cozinha” bastante o clímax da obra, que surge de maneira até tardia na história após um sem número de “becos sem saída” que a trama invade. A intenção é, claro, nos deixar tão desesperados quanto Gail, mas esse excesso, além de algumas performances, podem enfastiar quem assiste.

Quanto a Fletcher, personagem-pivô da negociação, bem… Não são todos os diretores que trabalharam com Walhberg que sabem extrair o potencial visto em Boogie Nights - Prazer Sem Limites, e Ridley Scott não é um deles. Fletcher tem uma jornada até interessante, indo do negociante sem escrúpulos, de início “herdeiro” do estilo do poderoso Getty, passando ao longo do filme por uma tomada de consciência, mas o ator interpreta de maneira superficial demais os conflitos complexos do personagem. Nem no arquétipo “cowboy” a performance se destaca muito bem, excessivamente monocromática.

Desconsiderando todas essas arestas excessivas e deficiências podemos considerar que sim, Todo o Dinheiro do Mundo funciona como um thriller. Mas não passa de um suspense básico, feito por um diretor que entende da gramática básica do gênero mas que entrega tudo dentro do previsto - estratégias detalhadas, negociações e resistências, clímax que dilata a tensão que poderia ser rápida ao longo de vários minutos. Mas poderiam gelar muito mais a espinha com meia hora, quarenta minutos a menos; as duas horas e dez acabam tendo mais o efeito de girar sem sair do lugar do que entregar qualquer espécie de tensão ou revolta extra. Precisávamos mesmo de pelo menos cinco sequências detalhando a avareza de J. Paul Getty, que já fica clara de início? Não. Mas é o que temos para hoje.

É uma obra um tanto esquecível, mas de fato com algumas belas sequências, como as que entregam o protagonismo a Charlie Plummer e descrevem seu sofrimento em momentos sombrios e brutais, bem como as cenas em que tenta a fuga pelas ruas e estradas italianas. Momentos imprevisíveis, onde Scott esquece um pouco das gruas, da cenografia carregada, da pós-produção luxuosa e pode se permitir ao exercício mais básico de tensão - perseguir o personagem pelo asfalto com a câmera, acompanhar com a montagem as sombras trazidas por cada esquina… Mas poderia ser mais.

No geral, Todo o Dinheiro do Mundo acabou atraindo mais atenção por seus problemas de bastidores - a exclusão de Kevin Spacey após as acusações de assédio sexual, a inclusão de Christopher Plummer em cima da marca do gol, a polêmica da disparidade salarial entre Williams e Walhberg para refilmar as cenas com o novo contratado - do que como filme. E pelo que Scott apresentou aqui, continuará lembrado dessa maneira: um filme mediano que adapta uma história real mas cuja própria história real acabou atraindo mais atenção. Não é crueldade dizer que, não fosse por esses fatores, talvez ninguém desse muita atenção para Todo o Dinheiro do Mundo.

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