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Críticas

Cineplayers

Espremendo o filão até o bagaço.

3,5
Vá em uma livraria hoje em dia e confira os principais lançamentos e best-sellers e você encontrará lá o filão de romances voltados ao público adolescente protagonizados por protagonistas padronizados vivendo situações rocambolescas em nome do grande amor da sua vida. Teriam os romances de bancas de jornal ou de rodoviárias de décadas atrás (Sidney Sheldon como exemplo óbvio e ululante) alcançado status através de inúmeras adaptações para cinema de Nicholas Sparks (Diário de Uma Paixão, Um Amor Para Recordar) e David Nicholls (Um Dia, P.S. Eu Te Amo)? É o que parece, e Todo Dia, de David Levithan, é mais um orgulhoso exemplar do filão, e o filme de Michael Sucsy explora todos os clichês possíveis e imagináveis nesse sentido.

A história parte de uma premissa fantástica: “A” é um tipo de ser incorpóreo que todo dia possui alguma pessoa. Religiosamente, procura nunca intervir no corpo da pessoa e sempre define o alarme para 10 minutos antes da meia-noite, quando adormece e troca de corpo novamente. Sua vida segue sem grandes interrupções e perturbações até o dia em que encarna no corpo do jovem esportista Justin e se apaixona pela sua namorada, Rhiannon. Após uma rápida resistência inicial, “A” consegue convencer Rhiannon de sua condição e os dois acabam se apaixonando, com a menina tendo que vencer o obstáculo de que cada dia seu amado ocupa um corpo diferente, seja masculino ou feminino. 

Qual é o problema principal de Todo Dia? Bem, justamente o excesso de acomodação. O filme até se sai bem em alguns aspectos, com algumas “possessões” inesperadas e em não explicar a origem daquele poder. Fundamentalmente, é o que se convencionou a chamar de “água com açúcar”: é mais sobre o romance, menos sobre a condição. Essas histórias de amor impossível certamente têm seu público, sempre demandando com que repitam o primeiro impacto. 

E o filme faz por onde para se conectar com o público: há a irmã boca suja e descola que funciona como alívio cômico, o namorado chauvinista e idiotizado, a mãe que sai de casa para trabalhar enquanto o pai fica cuidando da casa. É fruto do seu tempo de maneira quase didática - é claro que a mãe que trabalha fora (Maria Bello) calca-se no estereótipo de “bruaca” sempre estressada e o pai é um artista excêntrico de fala mansa, assim como a irmã mal educada não é uma pessoa tão ruim assim. Já o namorado idiota não consegue sair muito disso. 

Até aí o filme anda por um terreno desconhecido, mas se sai pior através de uma série de inconsistências estéticas e narrativas. Nenhum dos seus personagens é explorado muito além do básico (“sou estereotipado, porém tenho sentimentos”) e nenhuma das ações dos protagonistas têm reais consequências que “desviariam” a história do rumo pretendido - como quando “A” acorda o corpo de um garoto superprotegido pela mãe e é “sequestrado” por Rhiannon, com uma mãe histérica correndo atrás do carro. É mais uma aventura com carga de divertida/pitoresco que abre espaço para a protagonista ter sua primeira vez e, mesmo apresentando o universo no qual “A” acordou dessa vez, sem qualquer consequência.

E Sucsy, bem, não se decide muito bem com o que tem em mãos: logo após de cenas engraçadas, temas sérios e pesados invadem a narrativa, como crise conjugal, colapsos nervosos, depressão e suicídio, em cenas infestadas de doces melodias de piano e discursos motivacionais. As intervenções com projeções sobre janelas dos pensamentos dos personagens ou “flashforwards hipotéticos”, ambos só aparecendo uma ou duas vezes no filme, não têm qualquer unidade estética com o resto, saindo mais como afetação para tirar o filme do absoluto óbvio que qualquer outra coisa.

Em que pese a abordagem criticada do filme de guiar o romance por alguns (de Rhiannon praticamente não se relacionar com “A” quando não é um homem), talvez seja pior (no sentido de mais covarde) o aspecto do sacrifício feito pelo casal principal para concluir a história - quando “A” julga ter possuído o “garoto perfeito” para Rhiannon. Nesse sentido dá um pouco de saudade de filmes mais antigos onde mesmo na inocência exibiam decisões mais corajosas - como o clássico de Tom Hanks e Daryl Hannah Splash - Uma Sereia em Minha Vida, onde seu protagonista alcança um nível de desprendimento do seu “mundo comum” que é difícil de ver hoje. Aqui, quase metaforicamente, o filme quer apenas ter a fantasia em sua premissa e ao longo de sua hora e quarenta de duração, caminhar de volta para a “normalidade”.

Não há dúvidas que irão existir os que apreciem a obra, mas faz pouco para competir com os baluartes do gênero, que por si só já não eram grandes melodramas seja em aspecto de aventura psicológica, seja na riqueza da encenação sem recorrer a modismos que enfatizassem os aspectos pretendidos na abordagem. Começando inusitado e terminando totalmente careta, Todo Dia é vendido como um retrato de incentivo à empatia. E até é, desde que se passe por toda a maré “sonho de princesa” de um filme que ao mesmo tempo que é novo, exibe um cheiro de naftalina alarmante em sua previsiblidade. 

Comentários (1)

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