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Críticas

Cineplayers

O silêncio das relações em choque.

5,5
O cineasta sérvio Dane Komljen tem uma proposta de observação e oferece isso ao público. Parte integrante da mostra Novos Olhares dentro do Olhar de Cinema, o filme é a estreia de Dane que prepara com muita calma as peças de um quebra-cabeça, sem pressa para revelar seus "conflitos" e motivações. Com essa calma, o filme arma um terreno que pode ser ocupado por qualquer narrativa futura. Ela demora a vir num nível que em determinado momento achei que o filme de fato se resumiria a nos fazer acompanhar uma dupla masculina numa casa invadida realizando atividades prosaicas e banais. E até é somente isso por uma parte extensa, mas as pistas começam a ser dadas nesse longa sem diálogos, justamente porque o filme se dá nos momentos onde nada de relevante está sendo realizado pelos personagens. E isso tem um certo fascínio a título dessa observação proposta; quem são esses dois de faixa etária diferentes nessa casa vazia, tentando fazer fogueiras, sentados em terraços e marquises? 

Em determinados momentos, textos em off são lidos. Poéticos, intensos, vão gradualmente apresentando o quadro geral, que é sendo completo (ainda que com lacunas) por ações entre eles: estamos diante de um casal. E a relação está abalada a ponto de um terceiro vértice aparecer para desestabilizar ainda mais, e sua presença ser permitida. Komljen vai aos poucos descortinando não apenas a narrativa literal, como dando pistas sutis dos propósitos do longa de maneira mais ampla, através dos textos lidos também. Estamos diante de uma narrativa suave e sem arroubos sobre o abandono, não apenas o que você impõem ao outro como também a si mesmo. Como raramente estão em cena ao mesmo tempo, a sensação de uma 'solidão acompanhada' (que não é nada estranho para qualquer um que já tenha vivido uma relação a dois) atravessa o filme, e vai se intensificando até encerrar o segundo ato do filme. 

A partir do terceiro ato, com a situação já estabelecida, uma virada vai levar a produção a embarcar num caminho sem volta rumo a uma visão completamente antiquada ao universo retratado. Durante muitos anos a comunidade LGBT é assolada por uma imagem negativada em relação a forma como lidam com seus sentimentos, e o longa de Komljen vem reafirmar essa visão simplificada de todo um grupo. Por decisão estética os personagens mal se tocam, só que isso bate na tela de forma a reproduzir esses estereótipos tambem na arte. O que vemos são homens depressivos, entristecidos, com o rosto fechado, e a interação restrita a toques nos cabelos, que em tese até seria uma solução bonita mas que unido ao resto, dá uma impressão a remeter ainda os preconceitos em relação ao amor entre iguais, que não podem se tocar ou se revelar nem a si mesmos. 

Pra piorar o quadro, um final quase apocalíptico se desenha e se concretiza, deixando os méritos de um roteiro cheio de elipses e não-ditos empalidecidos diante de decisões também pelo próprio filme, que batalha contra si mesmo para ter a liberdade que um filme com essa escolha de universo ambientado clama nos dias de hoje. Como já dito, a delicadeza da mise-en-scene, a secura emocional que cabe na aridez das relações mostradas ali, acaba por não valer diante de opções narrativas que reforçam estereótipos negativos e os estabelecem como realidade concreta e replicada, através do outro relacionamento que o filme observa, de tacitura idêntica. Ainda assim fica a curiosidade para uma próxima empreitada desse jovem sérvio com um claro intuito de realizador singular; talvez da próxima vez uma pesquisa ampliada faça a diferença. 

Visto no 6º Olhar de Cinema de Curitiba

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