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Críticas

Cineplayers

Novos rumos para as grandes produções da Marvel, mas ainda excessivo em seu todo.

5,0
Existe um senso comum entre os que acompanham as produções Marvel desde a primeira investida da iniciativa com Homem de Ferro, a de que sempre poderemos saber o que esperar de todos estes filmes de super-heróis. E de fato, salvo raras exceções como o auto-importante Capitão América: Guerra Civil, grande parte das adaptações destes seres super-poderosos saídos direto de HQs lendárias (e que amaldiçoam estes filmes a serem eternamente comparados com as caracterizações dos quadrinhos) se acostumaram a ser mantidos dentro de fórmulas seguras, facilmente mastigadas pelo público que se sente satisfeito com a junção de grandes efeitos especiais em exibição, cenas de ação constantes e muito, muito humor saindo da boca de personagens unidimensionais, o preto no branco.

Claro, neste meio tempo tivemos um ou outro título que visava respirar (ou tentar) fora da caixinha destas fórmulas, algo que acometeu o primeiro Thor, cuja trama de ares shakesperianos que enfocava no conflito entre o Deus do Trovão (Chris Hemsworth) e seu irmão Loki (Tom Hiddleston) parecia  buscar uma identidade própria em meio à mesmice das grandes produções, mas o extremo controle criativo de produtores que ainda não se sentiam confiantes para arriscar sufocou a trama de ares trágicos comandada por Kenneth Brannagh (de Hamlet). A sequência Thor: O Mundo Sombrio veio para cimentar de vez o descontrole da megalomania, perdendo ali grande parte do senso de noção do exagero, falta de tom e lógica interna. Thor parecia, então, fadado a ser apenas mais um dos rostos entre o grupo intitulado Vingadores.

Mais eis que as prévias de Thor: Ragnarök começaram a direcionar as expectativas (ou a falta delas) para um caminho, no mínimo, inusitado para o que já havíamos visto anteriormente, e os trailers  extremamente coloridos, acompanhados por uma trilha-sonora eletrônica sintetizante e a escalação de Taika Waititi (de sucessos indies respeitáveis como Boy e O Que Fazemos Nas Sombras) na direção começavam a indicar uma nova roupagem para o estilo de adaptação nas histórias de herói. Afinal de contas, mesmo após o afastamento de alguém como Edgar Wright do comando de Homem-Formiga, estaria a Marvel pronta para entregar suas histórias na mão de cineastas autorais?

Tanta reflexão sobre a situação destas adaptações (e em escala maior, dos blockbusters em geral) é algo que surge naturalmente enquanto assistimos a Ragnarök. Muito do que já havia nos teasers e trailers (uma das novas maldições do cinema contemporâneo) é confirmado pelo filme de Waititi, que frente a tudo que já foi transposto diante das tantas e tantas adaptações incansáveis de super-heróis, assume seu filme como um gênero disfarçado dentro de um gênero. No caso, toda a roupagem de heróis poderosos, vilões indestrutíveis (neste caso, uma divertidíssima Cate Blanchett) e aquela velha missão de salvar algum mundo parece mera desculpa para Waititi fazer a sua própria comédia de deboches. Pois sim, Ragnarok talvez seja a produção de maior veia humorística já produzida pela Marvel.

Para Waititi, isto se torna a bênção e a maldição de Ragnarok. A abertura movimentada e espalhafatosa já anuncia o que virá pelos 120 minutos seguintes, o que denota tanto uma segurança no tom desta nova aventura, mas também deixa claro o pouco tato do roteiro de Eric Pearson para extrair o que há de melhor nesta nova oportunidade. Ou melhor, Pearson extrai tudo o que pode, e talvez até demais, visto que as inúmeras gags e diálogos cômico constantemente oscilam entre o realmente espirituoso e o que há de mais banal na extrema necessidade de fazer o público rir. Quando auxiliado pelo elenco, o filme ganha graças ao bom preparo da presença cômica de Hemsworth (que já havia se saído muito bem no infame Caça-Fantasmas), o deboche constante de Blanchett como a típica composição caricata que se esbalda na personalidade maléfica de sua personagem, no sempre carismático Loki de Hiddleston (e é impressionante como o ator funciona bem quando Hollywood não o tenta vender com o sex appeal  vergonhoso de Kong: Ilha da Caveira, por exemplo) ou na participação cartunesca de um Hulk abobalhado e de risadas fáceis graças a seu jeito desengonçado. E nem por isso os atores deixam de ser obrigados a exclamarem tentativas fora de hora e até mesmo duvidosas de nos fazer rir, como nas sucessivas quedas dos personagens (sério, até quando irão pensar que fazer alguém cair e se bater o tempo todo é algo genuinamente engraçado), diálogos sem muito sentido que parecem querer se aproximar das comédias de constrangimento dos irmãos Farrely, ou até mesmo a tirada com a palavra “ânus”.

E se como comédia assumida Ragnarok se mantém constantemente oscilante, como o típico filme de super-heróis o filme sofre novamente com o desgaste de uma fórmula que segue pelo caminho previsível de vários rostos super-poderosos que, de início, não se entendem, mas que ao final de tudo, precisam se unir para derrotar a vilã da vez, no caso, uma vilã que está ali apenas porque, no fim das contas, todo herói precisa de um vilão para derrotar e se vangloriar. E por mais que a aventura deboche da própria fórmula em certos momentos, essa extrema auto-consciência pouco redime o filme de seu caminhar redundante, apesar de que Waititi compensa, até certo ponto, com os ares psicodélicos e oitentista da aventura. Pois sim, o que há de melhor em Ragnarok é seu resgate de uma ambientação futurista regada a uma identidade oitentista que em muito lembra Tron - Uma Odisséia Eletrônica, seja pelo visual cósmico e futurista da direção de arte de Dan Hennah, pela música com ares de balada eletrônica de Mark Mothersbaugh, ou a fotografia de Javier Aguirresarobe que ressalta a vivacidade das cores nos cenários. Em termos de ambientação, Ragnarok é bastante competente e crível, algo ressaltado pelo interessante uso do 3D na profundidade dos ambientes.

Mas a sensação que fica após a projeção é a de que acompanhamos vários vestígios de um bom filme, que sim, se dá a liberdade de respirar assumindo de vez sua própria veia cômica, e tomando sua própria liberdade na elaboração visual do universo. Mas, talvez pelo excesso de auto-consciência por detrás de sua liberdade, o filme de Waititi pese a mão no que poderia ter dado certo ao filme se este tivesse sido melhor dosado, o que o torna uma aventura continuamente desesperada em ser aprazível, e não um entretenimento pensado para que seus elementos estejam bem dosados. De qualquer forma, a Marvel começa a demonstrar sinais de que pode sim, se sentir disposta a entregar produtos cujos passos nos levam para experiências diferenciadas, só não é preciso transformar estes heróis em versões com super-poderes de Os Trapalhões.

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