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Críticas

Cineplayers

Será que aquele povo tinha consultas com algum psiquiatra?

7,5

Difícil apreciar a um filme como O Terror da Serra Elétrica (Mil gritos tiene la noche, 1982) sem ter consigo certo teor de perversão. Um espectador acostumado com uma forma redonda de se fazer cinema de horror (sem a subversão dos valores do próprio Cinema – Lucio Fulci foi um dos homens que melhor materializaram uma ideia contra isso) certamente não aceitará a imersão na dementia considerável proposta pelo trabalho dirigido por Juan Piquer Simón. A verdade é que maior parte da sacanagem que o envolve está ligada ao texto (o doente Joe D’Amato, responsável por coisas como Antropófago [Antropophagus, 1980] e Buio Omega [idem, 1979], foi um dos que escreveram), pela construção de ideias bizarras que terminam por serem traduzidas pelo olhar de seu diretor. O divertido é observar o título norte-americano: “Pieces”. Enquanto originalmente buscaram aderir certa poeticidade sem sentido ao seu título, a forma pela qual o filme ficou mais famoso terminou por definir, basicamente, qual é o universo de sua obra: seremos submetidos não a um olhar refinado típico dos giallos sobre a morte e a violência, mas sim a uma brutalidade que tem origem no caráter irônico dos slashers movies – criando diálogo com o próprio argumento. Claro que tudo isso no tão particular estilo europeu de ser; e justamente por isso, O Terror da Serra Elétrica não está tão distante de um filme como O Pássaro Sangrento (Deliria, 1987), por exemplo.

Nota-se o diferencial em relação a muitos exploitations de sua temática (e de sua época) por tentar desenvolver, para além de seu exercício imagético, uma carga dramática psicológica, que vai desde os momentos iniciais, do garotinho assassinando sua mãe e momentos depois chorando por querer que ela volte, até o centro da narrativa, que é a investigação - movida por um bem maior. Essa carga psicológica que se pretende, mesmo conseguindo alcançar pontos significativos (ainda no início: uma jovem correndo de patins e que acidentalmente se choca contra uma chapa de vidro, intercalando com a criança chorando – parece um momento deslocado, mas dá um efeito de reflexão sobre quem aquele menino irá se tornar, um olhar interno para o personagem), logo cai por terra ao percebermos que o que importa e o que há de melhor é a série de crimes brutais que vão ocorrendo (e toda e qualquer ação – relevante - do filme parte daqui); atestado puro de que é um trabalho demente que visa fisgar um público demente. Aliás, sua maior falha está nos momentos em que tenta ser o que não é, um filme investigativo – nem há um raciocínio para tal e nem há uma carga relevante de sutileza para basear sua pretensão; estamos perante um exploitation e isso precisa ser tomado em primeiro lugar.

É de espantar que, mesmo com tais características, O Terror da Serra Elétrica ainda tenha a essência antropofágica de engolir elementos alheios para cuspir à sua forma (influências que passam pelo cinema de horror norte-americano [a obra-prima O Massacre da Serra Elétrica (Texas Chain Saw Massacre, The, 1974) tem voz aqui], pelo giallo, e até mesmo por HQ’s [o visual do serial killer foi extraído de uma, vale tocar]). Impossível de imaginar em um modelo mais convencional uma cena como aquela em que um lutador de kung fu surge em um momento totalmente deslocado da narrativa, ou uma criança que assassina a sua própria mãe a machadadas e a esquarteja com um serrote, ou uma mão nua que arranca os testículos de um homem através de suas calças jeans; a lista de elementos que variam entre o simples ridículo e o chocante é imensa e é o que chama a atenção, criando essa aura pervertida e divertida que ronda o trabalho. Todo esse conjunto cria uma impossibilidade de indiferença; clichê afirmar isso, mas a palavra “meio-termo” praticamente inexiste no dicionário daqueles caras: como é um cinema de extremos, quem não é conhecedor desse terreno periga a virar o rosto. Quem conhece e aprecia, guardará consigo – de um bom filme - um dos melhores finais existentes naquela safra.

Histérico, assim como uma das personagens em uma cena antológica: “BASTARD! BASTARD!” Tão problemático quanto bom, tão esquecido quanto lembrado, tão maldito quanto importante e por aí a coisa anda.

Comentários (8)

Gian Couto | segunda-feira, 25 de Maio de 2015 - 17:28

Marcado pra ver aqui.

Daniel Borges | segunda-feira, 25 de Maio de 2015 - 20:02

eu achei pra assistir, mas a qualidade tava meio deprimente.😕

Victor Ramos | segunda-feira, 25 de Maio de 2015 - 20:21

hahaha mas é difícil achar em uma qualidade lá muito plausível, esse. Porém, dá para achar facilmente sim, e legendado.

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