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Críticas

Cineplayers

Denúncia ambiental que escorre rumo à burocracia.

4,0
Filmes-denúncia já foram feitos de toda forma, baseados em eventos reais ou não, mas que assumam pra si uma responsabilidade social que os coloca numa esfera de aceitação imediata diante do público, mesmo estando reféns de signos já vistos muitas vezes e que são assinaturas do sub-gênero. Dá pra inovar num quadro assim? Acredito que dá, e A Terra Vermelha abre de maneira ousada, acompanhando a trajetória de Pierre. Aos poucos vamos entendendo que Pierre é o protagonista mas não é o mocinho. Essa quebra de expectativa é bem pensada e posta em prática talvez muito rápido, mas é um artifício de sedução que dá certo e que funciona particularmente aqui, também por conta do excelente protagonista conseguido. Mas o diretor argentino Diego Martinez Vignatti consegue também criar um clima crescente de tensão, outro ponto sedutor do roteiro. 

O protagonista Pierre vive uma rotina prestes a ser quebrada: ele treina um time de rugby, ele ajuda seus atletas e funcionários na empresa, ele constrói uma bela casa pra si, e ele também desmata florestas, e recolhe troncos, os serra, os vende, volta a plantar árvores e aí entra o ponto de quebra - a terra é regada a agrotóxicos. Por conta dessa prática comum a ele, seu romance com Ana está ameaçado já que ela é uma ambientalista. A cidade onde eles moram só vê seu número de doentes aumentar, e Pierre precisa tomar consciência de seus atos, mesmo que seja na própria pele. O roteiro pinta Pierre da forma mais ambígua possível e a interpretação de Geert Van Rampelberg contribui muito para tal; o ator belga passa muita segurança em cena e ele consegue realçar um filme que por si só já trabalha com impacto emocional forte. Graças a Rampelberg, esse personagem é mais do que um vilão comum e ausente de sentimentos. Econômico e intenso, Vignatti não explora seu protagonista e a resposta dele se traduz em espasmos de fúria, com grande humanidade sempre. 

Vignatti já tinha trabalhado como fotógrafo de Carlos Reygadas (Japon é uma das colaborações) e decidiu seguir seus próprios passos agora. Bom, levando em consideração o trabalho estético gabaritado que envolvia na companhia de Reygadas, partir para exatamente esse projeto solo parece despropositado. O filme é co-produção com o Brasil e a Bélgica e seu tom realista dá lugar vez por outra a cenas com muita névoa, sugerindo soluções fantásticas, e que destoam completamente do clima do todo, menos mal que são cenas rápidas e raras. Mas talvez lembrando de seu parceiro anterior, Vignatti tenha trabalhado para esse lado causando uma estranheza nada positiva para o produto, que ganha sempre que aposta em cenas mais prosaicas. Infelizmente a partir de determinado momento elas quase desaparecem, deixando o filme sem a ambiguidade de Pierre (que a essa altura já terá em processo de transformação) e refém de uma estrutura cada vez mais panfletária.

O panfleto é infelizmente uma saída comum para esse tipo de projeto, que não consegue amarrar suas intenções a uma forma menos engessada de expor seus meandros e contradições. Cabem sempre ao discurso explícito e as mudanças de temperamento mágicas o trabalho de organizar e fazer aparecer sentido nos rumos de tramas de denúncia. No fim das contas isso só explicita fragilidades de roteiro e nesse caso em particular deixa também escapar a inexperiência de seu diretor em tomar um projeto pra si, principalmente quando há sobre você a sombra de um autor do nível de Carlos Reygadas. Trabalhando com um texto que começa a cuspir frases de efeito em determinado momento e a exibir cenas novelescas que diminuem o projeto que ia digno até então, o diretor Vignatti observa o trabalho atrás das câmeras ir se acomodando ao seu roteiro chapa branca e repleto de obviedades escrito com colaboração de Melanie Delloy e Nicolas Saad, até todo o interesse residir apenas na presença de Rampelberg. 

Se a mensagem de A Terra Vermelha precisava ser dita e ainda que aja um número muito pequeno de produções que enfoquem esse grupo de pessoas com esses problemas nessa região, todas as belas e oportunas intenções iniciais dele descem pelo ralo quando a manipulação visual e dramática entram em cena. O rico personagem principal muda de opinião e atitude de uma cena para outra, passando de um homem repleto de contradições a um feliz mocinho de novela das seis, que graças exclusivamente ao seu intérprete não desce inteiro pelo ralo. Mas a felicidade que o protagonista Pierre teve ao encontrar Geert Van Rampelberg não se aplica a outros aspectos da produção, onde fica claro que apenas o discurso e a denúncia sem um trabalho tão burocrático de roteiro pouco vale. O estranho é perceber que esse filme estava há dois anos na prateleira de sua distribuidora e finalmente vê a luz do dia, mesmo sem muita relevância e suscitando a antiga discussão sobre a distância entre o tempo de compra e o de lançamento do cinema de arte no Brasil. 

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