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Críticas

Cineplayers

Vidas importam.

9,0
Ano passado o Festival de Brasília recebeu Café com Canela, filme dirigido por Ary Rosa e Glenda Nicacio, que voltaram esse ano à competição com Ilha. A dupla de diretores foi recebida com muito entusiasmo pela crítica, que atribuiu ao seu filme vários lugares ditos novos que poderiam ser seguidos como uma onda de renovação. Chamaram o que eles fizeram de 'cinema de afeto', disseram que seu filme retratava os negros como nunca antes e que o cinema do Recôncavo Baiano começava com eles. Das três afirmações, podemos dizer que a segunda é, no mínimo, oportunista. Cineastas como Joelzito Araújo, Jeferson De e André Novais Oliveira têm um olhar tanto para o afeto quanto para a reconfiguração de personagens negros, e o maior absurdo foi o fato de que André passou por aqui há 4 anos atrás com seu primeiro longa que transbordava afeto e era quase que exclusivamente interpretado por negros. Na ocasião, a família protagonista de Ela Volta na Quinta não teve 10% da comemoração do filme baiano, mesmo sendo muito premiado e muito superior.

André está de volta a Brasília com seu segundo longa, que eleva as discussões propostas pelo cineasta também em seus curtas e que hoje é uma pauta importante do nosso cinema. Pois o mineiro André realiza também ele um cinema cuja afetuosidade gere as relações, além de ser um realizador em franca evolução. Ele é um dos cabeças da Filmes de Plástico, ao lado de Thiago Macêdo Correia, Maurilio Martins e Gabriel Martins, produtora que colocou Minas Gerais no circuito internacional de festivais. Filmes como Quintal e Nada conseguiram aprovações de curadores de várias partes do mundo, trabalhando sempre com uma forma muito natural de lidar com a vida e os desdobramentos completamente mundanos que cercam seus personagens.

Dessa vez, André evolui como realizador ao agregar novas camadas ao projeto, tanto técnica quanto dramaticamente, ainda que continue no acertado rastro que sua carreira já indique, de transformar o trivial em único. É uma rara capacidade de ouvir o que o outro tem a dizer e inserir brilho no dia a dia. Aliado a uma equipe que realça as sutilezas que ele propõe, André conta (acredito que pela primeira vez) com uma trilha sonora original composta por Pedro Santiago, que emoldura com o máximo de delicadeza a trajetória de Juliana. A montagem de Gabriel Martins também dá a cadência perfeita ao filme, que flui com muita tranquilidade sem jamais aborrecer e encadeia os eventos na vida da protagonista de maneira equilibrada, entre a placidez e a necessidade de urgência. André conta com a fotografia de Wilssa Esser para tirar a centralidade justamente da figura central; Juliana está quase sempre escanteada, aumentando a característica da personagem de estar sempre na espera de algo ou alguém para realizar e seguir.

Vivida por Grace Passô, Juliana é uma mulher interiorizada, que fala pouco. Vinda de Itaúna para Contagem, ela passou um concurso e foi chamada para trabalhar no combate a endemias. À espera de seu marido, que irá chegar a qualquer momento, Juliana vai se adaptando ao novo: casa, emprego, amizades. À medida que a espera começa a cansar, Juliana começa a perceber que muitas coisas na vida são temporárias, mas que precisamos observar e cultivar o que não é. Grace, como a gigante que é, dá tridimensionalidade a uma mulher que precisa de um retorno, e acaba realizando isso ao se tornar confidente dos outros personagens do filme, mostrando que todo protagonismo pra ela é pouco. O elenco ao redor dela é todo muito bom, mas Russo APR é um achado, provavelmente a melhor interpretação do festival em seu misto de malandragem mineira e doçura, daqueles atores tão natos que esperamos que a Filmes de Plástico o absorva bem.

Temporada é delicado e nada panfletário, guardando em si cenas preciosas e pouco alardeadas que só deixam claro como o filme precisa ser visto. Filmando com sede os corpos e seus desejos, André ainda constrói uma bela e nada usual cena de sexo, completamente fora dos padrões e por isso mesmo carregada de símbolos a respeito da importância de produzir esse tipo de imagem para normatizar olhares e sentimentos na direção de pessoas raramente colocadas como centro da narrativa. André é um dos pilares desse movimento, que de forma muito sutil reintegra o corpo negro, o devir das raças e classes oprimidas, e ressignifica ao cinema nacional um processo de trazer para o lugar comum a real maior parte da população brasileira.

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