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Críticas

Cineplayers

Apatow cria um drama com personagens cômicos e a mistura dá certo. Um dos bons filmes de 2009.

8,0

Funny People não é uma obra-prima em si, mas é a maior e melhor obra de Judd Apatow como diretor e também como roteirista até então. Como sua carreira na direção começou há poucos anos, em 2005, com O Virgem de 40 Anos, esta pode não ser uma declaração das mais relevantes, mas em pouco tempo na posição (além de ter produzido e escrito muitas outras comédias de sucesso) o retrato que ele faz dos comediantes modernos é irreprochável, demonstrando que ele conhece tão bem essa classe de profissionais tão comumente desvalorizada, sobretudo no cinema. Judd não faz de Funny People um filme óbvio, cheio de piadas engraçadinhas, mas sim constrói um retrato sólido e maduro sobre os bastidores da comédia.

Para isso, Apatow convidou seu antigo colega de quarto, Adam Sandler (a cena inicial dos trotes telefônicos é um vídeo verdadeiro, gravado por eles nessa época), que acabaria por fazer o que pode se assemelhar a um autorretrato de sua carreira. Sandler faz o personagem principal, George Simmons, um ator de comédias horrorosas, mas de grande bilheteria, que entende que nunca será levado à sério. Paralelamente, temos um grupo de comediantes iniciantes, que faz de tudo para sobreviver na competitiva Los Angeles: desde stand-up até programas de televisão de quinta categoria. Quando George descobre que tem leucemia, contrata Ira (Seth Rogen, em papel escrito para ele mesmo), um desses comediantes iniciantes, para ser seu ajudante na caminhada para a morte.

O tema é deveras pesado, e este aqui é, como já foi dito, um filme sobre comediantes, e não uma comédia como o grande público esperaria (o que justifica facilmente seu fracasso nas bilheterias e o fato de ter chegado ao Brasil direto para as locadoras). Há, claro, os textos divertidíssimos e inspiradíssimos de Apatow, e somos recompensados com algumas pérolas humorísticas ao longo dos longos 150 minutos de filme (uma comédia tradicional dificilmente sobreviveria a essa metragem), mas o diferencial de seu novo trabalho é mesmo o retrato de quem vive para fazer rir, nas horas em que não está à frente do palco ou das câmeras. Somos apresentados a profissionais ou amadores, que fazem desde o simples stand-up (algo que hoje é uma febre deplorável graças a ferramentas como o YouTube, e Funny People sabe criticar essa variedade de comédia de uma maneira discreta e inteligente) até atores internacionalmente famosos, na figura de Simmons.

Apatow cria um mundo realista, rico, enchendo seus personagens com backgrounds interessantes, famílias e amigos. O elenco é dos melhores, e o diretor inclui praticamente todo mundo de Ligeiramente Grávidos, garantindo a sintonia de todos, embora haja uma levemente incômoda sensação de que esse pessoal está interpretando os mesmos personagens da mesma forma que em seus respectivos trabalhos anteriores. Como a duração da obra é grande, há espaço para desenvolver bem os personagens, e o roteiro vai revelando novas situações e enriquecendo os relacionamentos, através da exposição de temas pertinentes como o excesso de fama, relacionamentos familiares enfraquecidos, falta de compromisso, morte, etc. Assim, o filme tem a cara da filmografia de Apatow, tudo aparenta ser uma grande bagunça, o roteiro não é orgânico, há trechos que parecem estar deslocados e, claro, há um pouco de gratuidade no meio de tudo. Mas isso funciona, pois é realista e humano, já que a preocupação com os personagens é constante, mesmo os coadjuvantes, como o Leo Koenig feito pelo queridinho cara-de-bravo Johah Hill.

Mas apesar dos talentos novatos, o filme é mesmo de Sandler. Seu personagem foi escrito para o ator, assim como o personagem Ira foi escrito pensando-se em Seth Rogen. Campeão de bilheterias na vida real, um dos comediantes mais bem sucedidos da década de 2000, Sandler costuma ser alvo de palavras pesadas por parte da crítica, mas sempre recebeu um carinho especial do público. Suas comédias leves e quase sempre engraçadas (há grandes bobagens no meio de tantos filmes) deram-lhe um grande nome em Hollywood. Seu personagem é bem isso, e ele parece interpretá-lo com uma sutileza digna (isso é um elogio). Há cenas onde comédia e drama se chocam, se misturam ou se complementam, e mesmo com o tema sobrecarregado (doença terminal) o filme nunca adquire status de dramalhão.

Funny People é  um grande filme, incrivelmente subestimado porque ninguém esperava um trabalho desse tipo de Apatow e desse elenco. De certa forma, faz lembrar O Mundo de Andy, de Milos Forman, com Jim Carrey, um fracasso que hoje é um dos trabalhos mais respeitados do ator. Aqui não há a densidade daquele trabalho de Forman, pois os diretores são bem diferentes, e ainda é muito cedo para que Apatow mereça metade do respeito do diretor de obras-primas como Um Estranho no Ninho e Amadeus, mas pelo menos ele provou que sabe aprofundar seu discurso, mesmo continuando na comédia, e assim sendo foi o responsável por um dos melhores filmes de 2009.

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