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Críticas

Cineplayers

A junção de quatro histórias sobre o poderoso mundo do petróleo.

7,0

Inteligente, bem informado, articulado, incisivo e com personalidade, Syriana é um dos bons filmes do ano, um dos melhores já feitos sobre geopolítica em Hollywood – espanta ver o logo da Warner nos créditos iniciais. Como não teme ser complexo, denso e profundo, dá voz a nada menos que 70 personagens durante suas duas horas de cinema exigente. Algumas das frases ditas são extraordinárias, como a do personagem de Chris Cooper, um barão americano da indústria petrolífica mundial que diz, em determinado momento: “A China não cresce mais porque não tem petróleo suficiente para sustentar o crescimento – e eu estou orgulhoso disso”.

Syriana foi escrito e dirigido por Stephen Gaghan, responsável pelo roteiro de Traffic. Guarda com esse filme uma série de similaridades, mas, como diretor, Gagham está aquém do talento de Stephen Soderbergh, daí o resultado ser menor que o predecessor. É livremente baseado nas memórias (See No Evil) de um veterano da CIA, Robert Baer, interpretado na tela por George Clooney, que engordou 15 quilos e deixou uma barba grisalha para o papel. Concorre ao Oscar de coadjuvante por esse desempenho.

Outra qualidade excepcional é a música de Alexandre Desplat. Ela não tem a função de apenas ser pano de fundo para as personagens, mas ajuda a explicar a história. Isso porque, como Traffic, este Syriana também é dividido em quatro histórias. Cada uma delas têm um tema diferente na trilha, que serve, assim, para diferenciar personagens e facilitar o reconhecimento da multidão de gente – Traffic usava o mesmo expediente, com cada uma das histórias divididas por um tom diferente na fotografia.

Todas as histórias têm a paternidade como questão. Na primeira, Bob Barnes, o agente da CIA que sabe demais, é recrutado para mais um trabalho de espionagem em Beirute e Teerã, mas ele não concorda com os métodos e é afastado para sempre da corporação. Barnes precisa evitar um assassinato enquanto tenta estabelecer uma relação com o filho adolescente (Max Minghella), que anda cansado das constantes ausências do pai.

Enquanto isso, uma empresa da Suíça é contratada para fazer a fusão de duas mega companhias de petróleo que se tornará uma das maiores do mundo, caso as autoridades americanas aprovem a negociação. Matt Damon (sofrível, é um dos piores atores de sua geração) é um dos financistas contratados para enganar os procuradores do governo americano. Damon é pai de dois filhos e perde um num trágico acidente (a melhor cena do filme, notável) e vê o casamento desmoronar.

Enquanto isso, um rei saudita vê seus dois filhos brigarem pela sua sucessão. O mais velho, formado em universidades britânicas, tem idéias liberais, como estabelecer a bolsa do petróleo em países do Oriente Médio (e não em Nova York), vender o produto por meio de leilões para evitar cartéis de preço e, por fim, adotar eleições livres e instaurar a democracia. O irmão mais novo vai se aliar com os barões da indústria do petróleo e com os governos ocidentais para dar o golpe, assassinar o irmão, assumir o poder e manter a bagunça no Irã, favorecendo assim os interesses dos EUA.

Na última e quarta história, um paquistanês inicia seu treinamento para detonar um atentado contra a fusão das empresas. Ele grava sua mensagem suicida, despede-se dos filhos e da esposa. É um antigo empregado na exploração que perde o emprego com as demissões causadas pela fusão. Imigrante, pobre, sem recursos, com o pai na mesma situação, resolve se tornar o homem-bomba como último recurso. A humanização desses terroristas também está presente em outro grande filme, Paradise Now, da Palestina, que concorre com todas as chances ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Há diálogos longos e intricados, a trama corre sem apelos melodramáticos desnecessários e vai se tornando mais e mais complicada com o avanço, que só piora a compreensão pelo sem número de locações em diversos países. A trilha acompanha, o ritmo acelera, as nuanças brotam sem cessar. Mas o diretor não consegue segurar o pique. Talvez para conquistar a audiência, ele tenha optado por um certo esquematismo para tocar seu filme e não esconde do espectador. Há um excesso de didatismo por vezes; a história começa a se tornar meio reincidente, e isso trava o filme. Faltou apenas um pouco só de coragem para Gagham realizar um grande trabalho.

Não resiste também ao cinismo. Para o diretor e roteirista, o mundo das corporações é de tal modo corrupto que não há salvação. Pobreza, ambição, dinheiro, poder e tráfico de influência mostram suas faces como o pior dos mundos. Se tivesse mesmo essa visão, Gagham não teria feito este filme, mas um documentário-denúncia. Assim, cedeu aos estereótipos e cunhou personagens secundários caricatos, aparecem vilões e heróis, todos exagerados e um tanto ingênuos.

Mas o roteiro é irrepreensível e garante o ingresso. Um bom filme.

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