Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Vestígios de desejos contemplados pela representação de uma musa idealizada.

7,5

François Ozon é um dos mais competentes e interessantes cineastas franceses. Com uma filmografia relativamente extensa, o diretor iniciou a carreira com curtas-metragens no final dos anos 80 e realizou seu primeiro longa em 1995, o inédito no Brasil Jospin s'éclaire. Desde então, vem lançando filmes quase que anualmente. Sua carreira culminou, em 2003, neste Swimming Pool - À Beira da Piscina (Swimming Pool, 2003), filme fértil, recheado de sugestões que se equilibram entre a possibilidade do real e do imaginário. No decurso de duas grandes personagens e a inspiração para uma ficção literária, a narrativa se engendra no desconsolo de uma vida amargamente dedicada à arte.

O cinema de Ozon é marcado por transitar em vários âmbitos, tratando especialmente de sexualidade, fuga e natalidade, sempre com um viés frio e amargurado balanceado por um humor grosseiro. Nesta produção, a ficção se exalta narrativamente, deixando em aberto explicações, como exigência para o público completar as lacunas segundo suas particulares compreensões. Dentro da filmografia do diretor, “Swimming Pool” se aproxima da lógica de Gotas d'água em Pedras Escaldantes (Gouttes d'eau Sur Pierres Brûlantes, 2000) em relação a condições de interpretações e projeção do espectador. Talvez sejam seus trabalhos mais ousados. Em ambos, a bela Ludivine Sagnier marca fundamental presença.

A trama proposta se baseia na escritora inglesa de livros policiais Sarah Morton (Charlotte Rampling, estrela de Sob a Areia [Sous le Sable, 2000], também de Ozon). Ela é ríspida quando reconhecida e elogiada por suas obras, sempre se esquivando. Compreendemos no decorrer da narração suas razões: frustrações criativas, coisas que ela não fez e outros trabalhos pelos quais gostaria de ser lembrada. A impossibilidade de criar algo novo por seu editor, John (Charles Dance), a incomoda, pois gostaria de se desvencilhar das investigações policiais que viraram febre nas livrarias da Inglaterra. Essa é uma castração evocativa de sua singularidade enquanto mulher com ambições de fazer mais e diferente, ressentindo sentimentos. Sarah recebe o convite do próprio editor para passar algum tempo numa casa no interior da França e se inspirar com a paisagem bucólica local. Lá, acontecem profundas redescobertas e um estremecido encontro com Julie (Sagnier), filha de John.

O clima entre a dupla se alterna como a noite e o dia, com a sensualidade da loira causando constrangimento devido suas volúpias. Homens aparecem e saem da casa, e o prazer permitido por Julie afronta as defesas de Sarah, que não compreende o que está acontecendo, incomodando-se pela presença da filha do editor ao mesmo tempo que é estranhamente atraída por seus excessos. É o ódio pelo que anseia, recalque mascarado, estilizado pela contemplação da câmera do seu diretor que vislumbra o corpo nu de Sagnier, investindo na sensualidade e nos desejos provenientes dessa. A excitação como um dos resultados, vista em determinada cena.   

A força da narrativa explode no terceiro ato, onde um acontecimento obriga a aproximação entre as personagens num gesto de cumplicidade para enfim dar cabo de um crime. Observa-se desde o início um estranho arrebatamento por parte de Sarah, como se estivesse contaminada pela projeção idealizada de uma jovem cujo corpo exuberante desperta uma curiosidade voyeurística, desejosa. A finalidade disso paira como sugestão, escolha engenhosa do diretor que não se preocupa em entregar o que está acontecendo ou quais são as intenções da protagonista, visivelmente contaminada pelo que a garota à beira da piscina faz e oferece, sem pudores ou tabus.   

Com personagens bem desenvolvidos, o filme divaga em alguns instantes, acertando o tom de devaneio quando deixa de ser algo relacionado à liberdade criativa de um escritor e o processo que este passa durante a concepção de uma obra. Há uma transição de propósitos, com o livro escrito sendo fruto de outra ótica. Enquanto a história se desenrola, a boa fotografia e a casa de veraneio dá uma notória sublimidade ao filme, com a piscina funcionando como um receptor de fatos, uma vez que quase todos os mais importante acontecem ao seu redor. Com devidas proporções e sem pretensões megalomaníacas, este é um longa de circunstâncias e situações esboçados por seus seguimentos frente à dúvida cênica do que se sucede. A beleza reside justamente na hipótese.

Comentários (1)

Adriano Augusto dos Santos | segunda-feira, 26 de Novembro de 2012 - 09:50

Excelente.
É o filme descrito,muito bom texto para um ótimo filme.

Faça login para comentar.