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Críticas

Cineplayers

A suprema nostalgia de Jabor.

6,0

A Suprema Felicidade (idem, 2010) é o retorno de Arnaldo Jabor aos filmes longas-metragens depois de 24 anos. De certa forma, existe toda uma geração que o conhece mais pelas suas crônicas bem humoradas e críticas no telejornal, do que pela sua relação com o cinema. O que de certa forma é lamentável – mesmo com sua curta carreira, cerca de dez filmes (entre curtas, documentários e ficções), Jabor deu importantes contribuições à cinematografia nacional, como a comédia satírica da classe média Tudo bem (idem, 1978) e o documentário da linha sociológica Opinião pública (idem, 1967).

A Suprema Felicidade acompanha o crescimento de Paulo, no Rio de Janeiro dos anos 1950. Paulo é um menino de classe média, filho de uma dona de casa e um aviador da Faber, que com o passar dos anos vê suas fantasias de criança transformando-se: o casamento dos país, a relação de forte amizades com o avô materno, os primeiro amores. Enfim, poderíamos resumir o filme como uma fábula da perda da inocência.

De certa forma, é quase impossível separar a figura do comentarista político Arnaldo Jabor do seu novo filme, que já vem assim carregado de expectativas e chaves de leitura. Por isso, é surpreendente que em A Suprema Felicidade represente quase uma reconciliação nostálgica do diretor com a classe média – ou como dizia-se nos anos 1970, a burguesia. Claro que, eventualmente, sobram umas farpas aqui e ali para com os personagens. Mas o clima é mais de idealização e encanto com o Rio de Janeiro do anos de antigamente do que qualquer outra coisa. 

Em alguns momentos, sentimos uma ternura quase autobiográfica de Jabor com seu filme e a projeção do diretor em Paulo torna-se inevitável: como se, no fim das contas, o único objetivo do diretor fosse o de revisitar o seu passado. Mas, exatamente aí, nessas digressões da infância e da juventude, começam os problemas do filme.

De maneira geral, incomoda a falta de foco da narrativa. O filme passa de um conflito ao outro sempre superficialmente, não sendo propriamente sobre nada – nem infância, nem adolescência, nem vida familiar, nem o primeiro amor, nem... E mesmo que o personagem de Paulo concentre a história, o filme permite-se vários desvios, como a relação conflituosa entre seus país, o envelhecimento irremediável do seu avô, as descobertas sexuais do seu melhor amigo. Assim, voamos de situação em situação sempre a uma distância confortável, evitando colocar o dedo nas feridas de fato. É como se Jabor tentasse fazer vários filmes ao mesmo tempo, mas nenhum deles tivesse força para sobreviver por si.

Os personagens são em geral clichês e repetitivos, músicas de uma nota só: a mãe frustrada com a vida conjugal, o pai ausente e infeliz no trabalho, o avô boêmio, o pipoqueiro falastrão, e assim por diante. O filme é especialmente infeliz no que diz respeito às personagens femininas. No trajeto de Paulo entre infância e juventude as mulheres que os cercam e das quais ele se aproxima parecem ser todas neuróticas-histéricas: da mãe dona de casa ignorada pelo marido à prostituta inocente explorada pela mãe, passando por sua primeira paixão cruel e fora da realidade. Nenhuma das mulheres do filme parece conseguir fugir dos estereótipos da figura feminina: ou santas ou prostitutas – mesmo que para isso seja necessário ser, literalmente, uma puta santa.

Se reconhecemos a evidente ternura que Jabor investe em seu filme, reconhecemos também uma série de imagens que fazem parte do nosso imaginário dos anos 1950 e 1960. A recorrente imagem cinematográfica da criança com roupas de época e olhos castanhos arregalados encarando a câmera é um dos exemplos mais óbvios. Toda a constelação de imagens dos filmes de época sobre fim da inocência infantil estão presentes em A suprema felicidade. Não que esse cinema não tenha a sua eficiência e até um certo encanto. Mas, tratando-se do passado cinematográfico de Jabor, esperava-se mais.

Talvez, fosse mais honesto chamar o filme de A Suprema Nostalgia com suas relações idealizadas entre avô e neto, vizinhos, amigos, etc. Nostalgia de um Rio de Janeiro idealizado dos anos 1950, livre de todos os males – onde o carnaval é a marca da relação harmoniosa entre pretos e brancos, ricos e pobres. A medida que os anos passam os personagens murcham. A velhice vira sinônimo de caduquice – representada sobretudo na figura do avô de Paulo. Saímos do filme com a sensação de que nada nunca mais será belo ou encantado. Mas, talvez, essa frase só se aplique ao cinema de Arnaldo Jabor. Esperamos, otimistamente, que não. 

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