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Críticas

Cineplayers

Blockbuster apaixonado.

8,0
J.J. Abrams mudou tudo para os trekkers quando revitalizou a clássica série de Gene Rodenberry, Jornada nas Estrelas, em um reboot que não era exatamente um reboot, nem uma refimagem, nem uma sequência direta dos dez (dez!) filmes anteriores originados do seriado, mas sim uma aventura ocorrida em uma nova linha temporal, que demonstrava uma notável devoção a tudo o que Kirk e a tripulação da USS Enterprise já haviam enfrentado no espaço até então. O filme de Abrams, e também sua continuação, foram não apenas uma atualização necessária aos novos moldes dos blockbusters atuais, como também um presente aos fãs ao enriquecer aquele universo e expandi-lo para além do que já fora visto.

E é curioso notar como, apesar da nova proposta, Star Trek hoje mais parece um universo antiquado, deslocado do tempo atual, e que mesmo reunindo exatamente todos os elementos que configuram um filme-pipoca, não carrega nem metade do apelo que a franquia Star Wars, por exemplo, detém para si. Algo em Star Trek o fez envelhecer para o público atual, e o toque nostálgico parece quase que unicamente reservado aos que carregam seu amor pela USS Enterprise há tantos anos.

Dentro desse fator nostálgico (não que os três filmes dessa nova linha temporal se resumam a isso), o mais delicioso e comovente é notar a extrema devoção dos realizadores pelo que a série e os filmes representaram/representam para seus aficionados. Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek Beyond, 2016), por exemplo, situa-se no terceiro ano da famosa missão interestelar da nave que duraria cinco, onde vemos um capitão Kirk (Chris Pine, sempre enérgico) num estado desânimo ao se encontrar perto de seu aniversário e, em meio a isto, questionar sua própria funcionalidade como capitão da nave. Mas tais devaneios de Kirk são interrompidos quando a tripulação recebe um pedido de socorro que, logo se descobre, trata-se de uma emboscada armada pelo vilão Krall (Idris Elba), que deseja tomar para si um objeto de posse de um dos personagens.

Salta aos olhos, primeiramente, o caráter episódico e a nova proposta de interação do roteiro de Simon Pegg (intérprete do hilário Montgomery Scott) e Doug Jung, sobre o qual teremos um pequeno comentário mais adiante. Como grande parte do filme se passa em terreno sólido após a Enterprise ter sido destruída numa sequência emocionante e em pleno espaço, os personagens se dividem em núcleos que não apenas agilizam e conferem um dinamismo inédito para a série, como concedem a permissão para que cada rosto tenha seu brilho próprio em algum momento. Kirk acaba sendo acompanhado por Chekov, numa opção que, involuntária ou não, serve para carregar uma nova importância ao ator falecido em Junho ao colocá-lo para andar lado a lado com o protagonista da franquia. Spock (Zachary Quinto) e Magro (Karl Urban) ganham uma bem-vinda e divertida interação que trabalha de maneira eficaz o intelecto absurdamente lógico e racional do vulcano com o espírito impaciente e sarcástico do doutor. Um dos momentos mais humanos da fita está justamente num diálogo entre os dois. Scott acaba coincidindo ao encontro de Jaylah (Sofia Boutella), numa jogada que só pode ter vindo exclusivamente da presença de Pegg no roteiro, já que ambos carregam uma dicotomia tomada pelo humor. Talvez o duo menos privilegiado tenha sido o de Hikaru Sulu (John Cho) e Uhura (Zoe Saldana), já que os dois possuem poucas particularidades entre si para serem trabalhadas. Dessa forma, Sem Fronteiras se firma como um novo capítulo menos dependente da mitologia histórica da série, criando para si um argumento próprio e percorrendo novas fronteiras para explorar aquele universo e os rostos pelos quais o acompanhamos.

E não apenas isso, Sem Fronteiras vai adiante no que se refere a sua própria defesa social, já que os tripulantes da Enterprise sempre foram marcados por uma notável diversidade, algo já iniciado por Abrams ao estabelecer o envolvimento romântico entre Uhura e Spock. Aqui, um novo passado é dado com a revelação da sexualidade de Sulu, algo que nos é dito numa cena simples (o já mencionado roteirista Doug Jung faz a ponta como seu marido), sem qualquer diálogo e apenas observada de longe, mas que consegue dizer muito mais do que se fosse simplesmente estendida para um momento panfletário. Vale ressaltar que esta é uma homenagem ao ator George Takei, intérprete original do personagem, gay assumido e um conhecido ativista da causa, mas que por motivos absolutamente estranhos, se pôs contra a sexualidade da nova versão de seu personagem. Vai entender…

Temerosos desde que Abrams anunciou que assumiria apenas a função de produtor e entregaria a batuta da direção para um (para o público) desconfiado Justin Lin, cujo principal peso no currículo vinha do comando de alguns Velozes e Furiosos, a ação é bem mais consciente e controlada do que anunciavam os péssimos trailers. Algumas cenas mais movimentadas são pouco privilegiadas pela fotografia escura de Stephen Windon, prejudicadas ainda mais pela desnecessária inserção do 3D. Mas é surpreendente como Justin Lin possui total conhecimento do que cada ação e reação representa para os personagens, algo que pode ser sentido na cena da queda da Enterprise, uma sequência emotiva e que respeita o poder simbólico da nave enquanto a casa de uma família de tripulantes. A direção de arte de Thomas E. Sanders transmite com exatidão o aspecto exótico e desgastado do planeta desconhecido onde os personagens se encontram, os figurinos de Sanja Milkovic Hays segue uma deliciosa linha retrô junto com o trabalho de maquiagem, apenas Michael Giacchino pouco inova em sua trilha sonora que evoca um quê de patriotismo grandioso, com seu trabalho sendo engolido pela inovadora “sequência musical” no clímax da obra.

Sem ter muito o que falar sobre o vilão da vez (o roteiro lhe dá poucas chances de alcançar alguma nuance além do óbvio) e com um número de referências que denotam a paixão do projeto por suas raízes (dois momentos, em especial, arrancaram lágrimas deste que vos escreve), Star Trek: Sem Fronteiras se firma como mais um capítulo extremamente funcional da série, que apesar do pouco apelo junto ao público em relação a outros títulos, consegue deixar claro o quanto aqueles rostos já estão firmados na franquia e até que ponto podemos nos importar com eles. É quase um episódio estendido voltado para a nova geração, sem esquecer daquela que cresceu e conviveu com os primeiros intérpretes da Enterprise.

É, no fim das contas, um blockbuster com alma e sentimentos.

Comentários (4)

Arthur Brandão | sábado, 10 de Setembro de 2016 - 21:48

Revi os dois do Jei Jei na Netflix, super ansioso pra esse!!

Boa crítica!

Vinícius Oliveira | quinta-feira, 03 de Novembro de 2016 - 19:27

Bom filme, honra a trilogia por enquanto, ja q em 2019 ou 20, teremos o quarto e ao que parece, ultimo filme dessa nova saga. Pelos boatos, será o mais emotivo entre todos vistos até agora. Bela crítica, porém, confesso, em relação ao apelo de franquias famosas do passado, me pego muito mais identificado com Star Trek (Nunca fui um fã) do q com Star Wars, saga que acompanho ja a um bom tempo, desde a primeira trilogia! Acho que o Abrams conseguiu nesses filmes do Star Trek, passar uma importancia aos personagens que vc n vê em relação aos de Star Wars VII.

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