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Críticas

Cineplayers

Indignação corporativa.

9,0
A award season, esse período de premiações no cinema que vai geralmente de dezembro a janeiro, é uma parte curiosa do processo industrial do cinema. A mensagem para os estúdios é clara: façam filme para ganhar prestígio, lancem-no atentamente em novembro, depois de uma estreia em Toronto ou no Festival de Nova York, e conquiste o status que seus outros filmes geralmente não são capazes de alcançar. É divertido ver os estúdios se atropelando para lançar temas “relevantes” e abrindo espaço para personagens que tragam estatuetas de melhor atuação. E todo esse cronograma faz parecer que esses filmes existem exclusivamente para esse propósito. Evidentemente, algumas vezes se investe mais talento do que em outras. Os diretores mais habilidosos conseguem até mesmo desenvolver uma filmografia dentro dessa lógica. Mas é sempre parte do trabalho de uma indústria.

Spotlight – Segredos Revelados (2015) é uma das pérolas que às vezes surgem dessa linha de produção. O filme segue uma estrutura narrativa de thriller muito parecida com a do clássico Todos os Homens do Presidente (All the President’s Men, 1976), com todo o texto se desenvolvendo a partir de entrevistas e cenas de escritório e com um elenco protagonista e de apoio em química perfeita (se alguém se destaca nesse conjunto de grandes e humildes performances, diria que é Michael Keaton). Spotlight tem tudo para exaltar mais uma vez o jornalismo, mas se recusa a fazê-lo. O que o filme traz é uma história amarga sobre as condições de uma indústria, que só apresenta suas problematizações morais quando é conveniente a ela. 

O trabalho de pesquisa dos roteiristas Josh Singer e Tom McCarthy (também diretor) é relevante como o bom jornalismo investigativo. O jornalismo representado em Spotlight, no entanto, não é o que conhecemos nas aulas de Ética na universidade. Ele é duro. Só está interessado em uma pauta humanitária se o concorrente não pôr as mãos nela antes. Você percebe que alguns personagens, notavelmente o de Mark Ruffalo, está influenciado ainda pelo romantismo e o mito do jornalista aventureiro e solitário de Todos os Homens ou Zodíaco (Zodiac, 2007), mas essa é uma característica confiada ao personagem dele muito conscientemente, como se o roteiro quisesse decepcioná-lo como um caminho para a nossa própria decepção.

Aqui, os jornalistas do Boston Globe investigam a possibilidade de um cardeal estar ciente e ter se omitido sobre o abuso infantil cometido por um padre católico de Boston. O trabalho leva os repórteres a descobrir uma incômoda repetição de casos de abuso infantil na cidade, sempre resolvidos discretamente em um acordo entre autoridades católicas, advogados, promotores e mediadores.

Quando o cinema fala de abuso sexual infantil ou de pedofilia, como em Polissia (Polisse, 2011), há uma tendência geral para se construir a cena tendo como objetivo a repulsa e a indignação de quem assiste os filmes. Normalmente, a direção pesa a mão na imagem de uma inocência corrompida, é o caminho óbvio para o tema. E Spotlight tem sua cota de cenas em que personagens descobrem a própria indignação ao olhar para um parquinho na frente de uma Igreja ou para crianças passeando de skate pela rua de um padre afastado por estupro. A diferença é que o filme está o tempo todo reiterando o quanto essa indignação é seletiva. É tão fácil pedir para sua família manter distância de um centro de reabilitação para padres pedófilos quanto ignorar quando um sobrevivente de um dos casos de abuso pede ajuda da imprensa para denunciar a constante omissão da Igreja.

Quando Phil Saviano (Neal Huff) insiste que mandou um dossiê sobre a questão para o mesmo jornal 5 anos antes deles decidirem investigar o caso (“Vocês têm este material há cinco anos!”, exclama o personagem exaltado), ele confirma não só uma situação de cumplicidade silenciosa em Boston, como uma indignação motivada por interesse corporativo. É louvável que McCarthy tenha ido tão longe quanto a sugerir essa falta de altruísmo na matéria do Boston Globe e no jornalismo de forma geral. Acidentalmente ou não, a sugestão cabe também ao próprio filme.

Comentários (11)

Liliane Coelho | sexta-feira, 11 de Março de 2016 - 17:42

A única coisa que me incomodou no filme foi a interpretação do Mark Ruffalo. Achei muito estranha, nervosa, não-natural. O filme em si é fantástico.

Matheus Gomes | domingo, 12 de Agosto de 2018 - 21:21

Infelizmente, achei superestimadíssimo...

Walter Prado | segunda-feira, 13 de Agosto de 2018 - 14:58

Não gosto também, consegue a proeza de tornar a investigação completamente desinteressante ainda na metade do filme. Chato, cansativo, arrastado, tudo que um bom filme de jornalismo não é.

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