Os Irmãos Wachowski conseguem com criatividade manter os elementos originais que fizeram dessa série de desenhos animados um sucesso mundial.
Vou mudar um pouco a direção que sigo ao escrever sobre um filme para enfatizar logo de cara qual foi a minha sensação ao assistir o Speed Racer dos irmãos Wachowski: durante uma das enrascadas em que Speed se mete, seu Mach 5 começa a ser alvejado por tiros e minha reação foi tão natural que aquilo automaticamente saiu da minha boca: Speed: a capota!!! É... Pior é que essa não foi a única vez em que falei com o Speed durante a sessão.
Esse magnetismo que te faz transpor a barreira da poltrona e pensar estar dentro da tela só pode significar que Andy e Larry Wachowski conseguiram reunir os melhores ingredientes para produzir um filme que envolve a mitologia de um dos desenhos animados mais conhecidos e cultuados por homens hoje maduros como eles mesmos, quem sabe? A história de como esse desenho japonês produzido no final da década de 1960 foi introduzido no mercado norte-americano e para dali tornar-se um ícone é também a história de uma das primeiras produções orientais a adentrar esse mercado e mundializar-se, e foi assim que Mach GoGoGo foi transformado em Speed Racer em terras americanas. A partir de seu título original a série de desenhos nos faz pensar sobre o fato de o próprio carro ter a independência de um personagem, e sua história conquistou o público justamente por misturar valores familiares, carros, uma boa trilha sonora e muita aventura. E foi exatamente aí que a dupla de irmãos acertou a mão, ao conduzirem sua releitura fílmica deste clássico sem esquecer-se de valorizar os elementos fundamentais da história original.
No filme, conhecemos o pequeno Speed Racer (Nicholas Elia) ainda na infância, já absolutamente viciado pelo universo de carros de corrida, mas não por menos: seu pai - Pops (John Goodman) - constrói carros, enquanto seu irmão mais velho, Rex (Scott Porter), já participa de corridas. Empenhado em consolidar a independência de sua equipe, Pops trabalha para aperfeiçoar o Mach 5 - o carro da família-equipe - ao mesmo tempo em que Rex vem se destacando no circuito. Mas a família Racer sofrerá as conseqüências de não se vender ao capital, numa discussão interessantemente atual sobre mundo das corporações esmagadoras. Um grande trauma então se abaterá sobre eles e isso ajudará a definir os objetivos na vida de Speed (nesta fase, interpretado por Emile Hirsch), que oito anos depois desta tragédia é quem se destacará como piloto da Racer Motors, empolgando as multidões com suas manobras arriscadas.
Num universo de corporações gananciosas representadas pela figura do Sr. Royalton (Roger Allam) com seus métodos truculentos de conseguir visibilidade e resultados, e inescrupulosos corredores como Snake Oiler (Christian Oliver) e Cannonball Taylor (Ralph Herforth), que usam todas as armas permitidas e não permitidas para manterem-se no topo da fama é que a família Racer precisará manter-se unida. Sra. Racer (Susan Sarandon); Gorducho (Paulie Litt), o filho mais novo e trapalhão que sempre anda com seu chimpanzé Chim-Chim escondido onde não devia; a namorada de Speed, Trixie (Christina Ricci) e o mecânico Sparky (Kick Gurry) que sempre o auxilia a tomar as melhores decisões sobre o Mach 5. Juntos eles se envolverão em uma trama que levará o jovem Speed ao amadurecimento de reconhecer o verdadeiro motivo pelo qual pilota, não sem grandes decepções. E para manter a Racer Motors na disputa ele decide juntar-se ao Inspector Detector (Breno Furmann), responsável por investigar as irregularidades no mundo das corridas e ao temido Corredor X (Matthew Fox, também conhecido como Dr. Jack Sheppard, da série Lost), sempre envolvido em confusões e que esconde um grande segredo sob sua máscara, travando com Speed uma relação baseada em conflitos, admiração e proteção mútuas. Fazendo aqui um paralelo com a série, o clímax do conflito entre o Corredor X e Speed Racer é considerado um dos momentos inesquecíveis da história da televisão (procure pelo episódio “The Trick Race”, mas tenha cuidado com os spoillers) e se compararmos o desenvolvimento desse clímax na série e no filme veremos que os Wachowski o resolveram de forma bem mais delicada e ‘limpa’.
Falando um pouco sobre as atuações, Emile Hirsch esteve um pouco sério demais para o personagem e talvez tenha faltado umas gotinhas de carisma para ele ganhar o troféu joinha pelo filme. Christina Ricci, com seus olhos e cabelo de mangá não precisaria de muito mais para agradar, mas formou uma boa dupla com Hirsch, assim como Matthew Fox agregou aquele tom galã-justiceito-e-misterioso que seu personagem precisava ter, e sobre ele ainda digo que tive a impressão de que seu rosto caiu muito bem ao papel do corredor mascarado, cujo queixo másculo e o sorriso confiante são os grandes destaques de seu figura. Susan Saradon esteve muito meiga como aquela mãe boba que arregala os olhos ao torcer pelos filhos e quase deu pra acreditar que suas panquecas eram tão boas quanto foi dito no filme. Enfim, não custa nada lembrar que esses atores contracenaram quase o tempo todo com fundos verdes, e isso deve ser um bocado estranho.
Antes da exibição ouvi alguns comentários pejorativos que acusavam o filme de infantil, algo com que concordo em certa medida, mas sem considerar isso como demérito, já que o personagem título do filme é um jovem de 18 anos, ícone de desenhos animados cujo principal público é o infantil, e concebido sob a pretensa inocência que ainda hoje associamos à década de 1960. Essa década é destacada em vários elementos do filme, seja na moral que perpassa os seus discursos, seja no figurino de alguns personagens (tendo a Sra. Racer como melhor exemplo desse quesito) e na ambientação da casa dos Racer, com suas cores mais do que vibrantes. Assim é também o romance de Trixie e Speed, que segue a linha comportada e inocente, e até mesmo a fábrica de Royalton com todo o seu ar de modernidade traz nas linhas de seu desenho de produção o design condizente com a idéia de modernidade dessa época. E onde foi que os futurísticos diretores da trilogia Matrix puderam desmistificar o tempo neste filme? Na velocidade das cenas de corrida, seqüências essas apelidadas carinhosamente de Carro-Fu, já que eles aproveitaram os truques dos carros da história para engendrar manobras de artes marciais nas corridas de automóvel, e com todas as luzes e os efeitos que eles puderam criar, simbolizaram a atemporalidade da aventura, e dos sentimentos de torcida e vitória.
Uma querela mercadológica envolve o filme em questão, já que 500 cópias dele estão espalhadas pelas salas de exibição do país, o que segundo uma rápida pesquisa, descobri que compõe ¼ do número de salas nacionais, fato que acarreta o encolhimento dos espaços para exibição de outras produções, o que aos olhos dos mais puristas significa o desprezo pela distribuição de filmes nacionais em detrimento dos lucros que um bom blockbuster é capaz de render.
Em contrapartida, ir ao cinema para assistir Speed Racer foi pra mim a experiência de voltar a ser criança, quando eu assistia a filmes sem nenhuma consciência sobre teorias da comunicação de massa e, portanto, sem me intimidar por estar em uma sala escura cercada de estranhos, diante de uma produção cinematográfica norte-americana e ainda assim me sentir totalmente à vontade para poder gritar: VAI SPEED! VAI!
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