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Críticas

Cineplayers

Drama cotidiano singelo, porém envergonhado de suas emoções.

6,5

Mais uma vez Daniel Burman volta ao seu personagem alterego: argentino de classe média e origem judia na casa dos 30 anos. Nesse seu novo filme, o protagonista Uriel pode acrescentar os adjetivos enrolado, mentiroso e conquistador a essa descrição. Divorciado e com dois filhos, Uriel leva uma vida sem grandes complicações ou compromissos: trabalha na financeira deixada pelo pai, cuida dos filhos eventualmente, relaciona-se com várias mulheres mas sem estabelecer nenhum tipo de vínculo e, fora isso, dedica-se a jogar pôquer. É nessa falta de perspectiva que ele decide se submeter a uma vasectomia, com o objetivo de eliminar mais uma preocupação de sua vida.

A situação se altera quando Uriel reencontra Glória, uma antiga namorada que o abandonou anos atrás. Recém saída de um relacionamento e de volta à Argentina, Glória vai balançar o cotidiano do bon vivant exigindo que ele se comprometa e torne-se menos enrolado. Apaixonado, ele fará de tudo para cumprir a expectativa da moça. No entanto, será complicado para Uriel desmontar o castelo de cartas e mentiras que ele armou em sua volta sem deixar tudo desmoronar e perder sua grande paixão.

Com a simpatia de um personagem sedutor, a forma leve de filmar e o texto engraçado que surge das falhas de caráter misturada com o coração bom do protagonista, A Sorte em Suas Mãos (La suerte en tus manos, 2012) é de fato um filme divertido. As piadas de situação que envolvem o médico de Uriel, um rabino que também joga pôquer, seu melhor amigo que acaba de encontrar uma namorada pela internet, são arquitetadas de forma engenhosa para que a história caminhe e ganhe densidade – e até alguma tensão – sem que o espectador se canse.

Daniel Burman é de fato um mestre nas pequenas crônicas familiares que se desvelam no cotidiano das relações. Assim, os momentos de troca entre a séria Glória e sua mãe, uma vaidosa e intelectualizada apresentadora de programa de rádio sobre literatura, conseguem ser singelamente belos. É especial a cena em que as duas visitam o apartamento do pai da protagonista e se perdem nas fotografias, livros, objetos e memórias que recontam a história daquele núcleo familiar. E ainda o momento em que sua mãe a leva para o seu compromisso secreto das segundas-feiras no clube das mulheres de moletom.

No entanto, é como se Burman nesse filme, um pouco como seu personagem Uriel (que mente por não se achar bom o suficiente), não acreditasse na potência do seu cinema – ou na potência em que esses micro momentos do cotidiano familiar conseguem ter em seus filmes. Assim, muitos desses encontros são esmagados por certa pasteurização das imagens – como se a felicidade só pudesse existir na imagem publicitária, que junta uma edição ágil e divertida a uma trilha sonora agitadinha. O espectador fica do lado de fora, querendo reencontrar os personagens e não apenas as suas representações de cópias felizes.

Um exemplo dessa falta de tato é a cena em que Glória vai colocar a filha de Uriel para dormir. Pela primeira vez as duas estão compartilhando um momento de intimidade sozinhas, a menina acaba de revelar sem querer à namorada do pai uma das suas mentiras, as duas se dão conta do que aconteceu, mas continuam contentes por estarem ali juntas. A cena se encerra com Glória cantando para que a menina durma, algo que ela admite não fazer na frente de outras pessoas. No entanto, nesse momento, no lugar de ouvirmos a canção, sobe uma trilha sonora animadinha e a câmera se afasta – como se o filme tivesse vergonha (medo?) da sua própria emoção – substituindo esse momento único, por uma trilha pop qualquer.

Aos poucos, essa coleção de momentos bonitinhos porém banais – pois tiram dos personagens e das imagens os que eles têm de específico substituindo por algo palatável e já visto –, fazem com que o desfecho da história nos pareça cada vez menos importante. Primeiro porque nesse universo enlatado está claro que a única solução possível é o happy end. Mas também, porque com esses pequenos truques está admitido que toda cena pode se resolver com uma câmera lenta, um close nos rostos iluminados dos protagonistas e uma música que abafe qualquer ambiguidade.

* Visto no 14º Festival do Rio

 

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