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Críticas

Cineplayers

Fauna coreana unida pelo descontrole.

9,0
Olha, se me disserem que a próxima revolução do cinema virá do Oriente, ou mais especificamente da Coreia, eu já acreditaria antes do Olhar de Cinema; após ele, eu não só tenho mais clareza disso como também desejo essa revolução. Repleto de belos filmes no festival e esperando estar rodeado deles (que o circuito não tire o Oriente de nós, em toda sua multiplicidade de gêneros), é muito bom saber que pessoas como Hong Sang-soo estão abrindo caminhos para um cinema de inter relações humanas no mundo moderno, e propiciando interesse também a conterrâneos contemporâneos, como é o caso de Zhang Lu. Não sendo leviano de comparar bobagens como cenários e elementos de cena, mas indo além e observando o universo que ambos comungam, e que não há nenhum problema de encontrarmos uma comunicação. Um detalhe de quem escreve, enquanto apreciador do único filme de Lu visto: ao menos aqui, o humor tem bandeira fincada com gosto, o que não é uma prerrogativa de Sang-soo.

Mas como todo filme coreano, seja ele de suspense, policial, dramas familiares ou qualquer outra vertente, a melancolia se faz presente, mesmo que os momentos cômicos de verdade façam rir. E as relações humanas aqui são nada simplificadas: uma jovem tem um bar e cuida de seu pai em estado catatônico. Entre ela circula principalmente uma outra jovem de hábitos masculinos e um trio de amigos - entenda a expressão "amigos" aí da forma mais ampla e não-convencional possível. Esse trio é formado por um ex-gangster tentando se recuperar, um jovem epilético de temperamento explosivo e um desempregado tímido em busca de seus direitos trabalhistas. Um dos grandes fascínios desse roteiro exemplar está no fato de que todos esses personagens citados passam por uma ressignificação potente e que enchem de camadas personagens que não cansam de surpreender em cena. A mola de cada um em cena não tem apenas conotações internas não; o ritmo e a qualidade dos acontecimentos é equivalente ao desenho de personagens, o que só aumenta sua potência filmica. 

A identificação com a realidade tão medíocre do todo vai se realçando aos poucos, e de repente o medíocre vai se reconfigurando dentro de um lugar comum muito reconhecível, mesmo com toda pitada diferenciada aqui e ali. O humor, por exemplo, tem uma pegada inocente e quase infantil na melhor expressão do termo, o que garante um tom leve e cartunesco ao trio de amigos, ao mesmo tempo que não impede os problemas dos personagens serem expostos e debatidos, um a um. Os diálogos surreais também são uma constante, e eles vão desde a cena de abertura (um ritual de debochada reverência que o desempregado em desespero regularmente repete em frente à saída da fábrica onde trabalhou) até os constantes assédios que os três tentam impingir a sua amiga, que sempre debocha de todos com doçura suficiente para que o assédio se repita, sempre no limite do respeito para com a relação sui-generis estabelecida entre eles. 

Um certo apontamento para um lado fantástico é ensaiado a todo instante, mas sabiamente o filme parece apenas piscar o olho para o espectador em sinal de cumplicidade para o todo; vez por outra o pai desligado parece falar, mas isso nunca é comprovado em segunda instância por nenhum personagem. Com o avançar da trama, e elementos como o surgimento de um adivinho e as revelações que ele faz, o posicionamento do filme para o lado poético para cada vez mais insustentável e ao mesmo tempo, natural, encaminhando o filme para um desfecho nunca menos que belíssimo, cheio de camadas e que puxa para um debate. E ainda que seja vendido por deliciosas sequências como a da ida ao cinema, o filme de Zhang Lu parece sim disposto a entregar mais do que a aparência sugere, e esse aspecto de unir realidades e tempos para o lado metafísico pode ser uma das chaves de leitura de um filme tão singelo e encantador lidando com seres tão deliciosamente erráticos. 

Visto no 6º Olhar de Cinema de Curitiba

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