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Críticas

Cineplayers

Apesar de ser um filme do "segundo escalão" dos filmes do diretor, ainda assim é totalmente recomendável.

7,0

Uma grande brincadeira com a mente do público e de seus personagens, como muitos filmes da carreira de Hitchcock, A Sombra de uma Dúvida possui um tom mais leve que os melhores filmes do diretor. De qualquer forma, Hitchcock afirmou algumas vezes que este foi o seu filme favorito entre todos os que ele dirigiu, e pode funcionar como típico exemplo de filme autoral: a marca do diretor pode ser visualizada e sentida em todos os momentos, desde o epílogo que se passa na cidade grande até as quase subconscientes cenas de suspense.

Hitchcock joga o tempo todo com o espectador, e esse é o grande gancho que garantiu que o filme seja até hoje considerado como um de seus bons trabalhos. Em alguns momentos Charlie - o tio - aparenta ser realmente o culpado pelos assassinatos das viúvas (motivo pelo qual ele fugiu para Santa Rosa, na casa de sua irmã) e mesmo seu tom suave desperta dúvida, ao mesmo tempo em que denota esperança para quem torce que Charlie - a sobrinha - não se decepcione com ele. Em outros fica absolutamente clara a culpa do tio, e nesses momentos ele torna-se uma figura muito mais interessante: deve garantir que seu segredo permaneça intacto ao mesmo tempo em que não pode decepcionar a sua família.

Como na maioria dos bons filmes do diretor, há um bom espaço para o humor negro. O pai de Charlie tem como hobby discutir com seu amigo diversos modos de assassinar um ao outro e, embora essas cenas sejam um tanto quanto deslocadas da história principal, trazem um teor muito agradável à obra, definindo-a de vez como um filme leve - mas não superficial. A cidade de Santa Rosa é tratada com carinho, quase como um personagem à parte. Seus habitantes simples, humildes e acomodados criam conteúdo importante para discussões sobre mediocridade e aceitação, e nesses momentos os diálogos tornam-se muito bons. Não é um simples jogo de gato e rato, de descobrir o assassino, há vários outros temas, quase invisíveis, sendo abordados no filme - uma amostra de que Hitchcock, mesmo quando não objetivava fazer cinema sério, dava densidade à sua obra.

A Sombra de uma Dúvida é adepto do Expressionismo Alemão (veja minha crítica sobre O Gabinete do Dr. Caligari). Sombras compridas e destacadas, além de ângulos de câmera irregulares fazem parte de muitas cenas-chaves do filme. É bom destacar que o aspecto visual jamais é muito carregado, como são os filmes expressionistas de forma geral, e somos brindados com cenas externas muito suaves e alegres. Quando Charlie demonstra ser uma ameaça, o filme adquire tons mais escuros, o que traz uma variedade interessante às cenas. A música está sempre presente nos momentos de suspense, embora não seja especialmente marcante.

Apesar da sua aparente "perfeição", este é um filme cheio de pequenos defeitos que, no todo, fazem ser óbvio o motivo pelo qual A Sombra de uma Dúvida está sempre em listas secundárias de grandes filmes de Hitchcock. Uma de suas principais qualidades acaba por ser também um de seus principais defeitos. O clima despretensioso com que a trama se desenrola - sem momentos grandes, apenas momentos bons, e poucos deles - acaba trazendo certa fraqueza à trama, algo que filmes como Psicose ou Festim Diabólico não possuem (principalmente por serem filmes mais audaciosos). Talvez a falta de um ator mais famoso à frente do projeto seja também causadora de uma sensação de que este filme não deveria mesmo pertencer ao principal bloco de filmes de Hitchcock. Mas falar isso é preciosismo. A verdade é que a personagem principal feminina é bastante fraca: falando de forma vulgar, ela pode ser vista como uma grande bebê chorona, sem personalidade e voz ativa.

Recheado de bom humor negro e boas cenas de suspense, e apesar de um final bobinho demais e das imperfeições citadas, A Sombra de uma Dúvida é um filme muito agradável e tem todo o sentimento dos bons filmes do autor Hitchcock, o que já o torna, instantaneamente, um trabalho mais do que bem recomendado.

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