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Críticas

Cineplayers

Um engodo ruim; não satisfaz os enganados nem diverte os mentirosos.

2,0

Por mais inflados e problemáticos, os filmes de Noah Baumbach ainda constumavam ser mais interessantes que a média. Há um prazer ligeiramente sado em observar de perto as neuroses de seus personagens e as relações pseudo-complicadas entre eles, ainda que não haja nada de novo nem genuinamente sedutor no seu cinema. Mais que pelo estudo da desestruturação familiar sob o ponto de vista dos filhos em A Lula e a Baleia (The Squid and The Whale, 2005), e pelo relacionamento tóxico entre irmãs de Margot e o Casamento (Margot at The Wedding, 2007), seus filmes carregam o espectador nas pequenas coisas, na maldade de seus personagens e naquele senso cômico estranho sempre presente, ainda que todos estes elementos componham um contexto lamentável e só se tornem úteis se observados individualmente.

Em O Solteirão, Baumbach volta-se para um objeto presente como coadjuvante em suas duas obras anteriores (o homem de meia idade em crise) e realiza conscientemente um filme menor que A Lula e a Baleia e Margot e o Casamento, algo que deveria ser muito positivo, mas que curiosamente o tornou menos atraente sem deixá-lo ao mesmo tempo mais equilibrado e singelo (como ocorreu com Paul Thomas Anderson após Magnólia [Magnolia, 1999]), porque não há beleza nos gestos que Baumbach encena, não há objetivo, não há nada além da velha falsa promessa de profundidade; rótulo batido.

Por mais densos que se esforcem para parecer, os filme de Baumbach carecem de uma execução firme, de alguém que simplesmente saque de linguagem cinematográfica para preencher o vazio entre a intenção e o resultado. Ainda assim, convém deter o primeiro impulso de censurá-lo e tentar se divertir com as inserções infames e os diálogos surreais, porque, deslocados de contexto, terminam sempre sendo de algum modo engraçados ou no mínimo interessantes. Convém assistir a O Solteirão exatamente como o filme-pipoca que seu título nacional tenta forjar e que seus fãs abominam.

Teoricamente, O Solteirão não é em nada diferente de qualquer filme de gênero execrado por muito cinéfilo de primeira viagem em fóruns de internet. Para ilustrar, nada mais apropriado que pegar como parâmetro um ícone desse cinema tido por raso, despretensioso e esquecível: o próprio Ben Stiller (se o objetivo de Baumbach, aliás, era repetir o que Paul Thomas Anderson fez com Adam Sandler em Embriagado de Amor [Punch-Drunk Love, 2002] — sem esquecer que ele já havia escalado Jack Black em Margot e o Casamento —, falhou miseravelmente. E a culpa é dele, não do Stiller, o cara por trás do fantástico Trovão Tropical [Tropic Thunder, 2008]). O efeito atingido por Baumbach em O Solteirão é simplório e imediato, um entretenimento escapista para um tipo muito específico de público, tal como qualquer filme de Stiller, com a diferença talvez, aí sim, de que seus espectadores têm plena consciência do que estão assistindo, enquanto que na maioria das vezes os alvos de Baumbach não fazem nem ideia do pires que o roteirista está vendendo.

Mas ok, o subterfúgio em si nunca será o problema (vide eficientes exercícios de persuasão do cinema recente, como Tiros em Columbine (Bowling for Columbine, 2002] e Tropa de Elite [idem, 2007]). Não é a mentira, mas o quão convincente você assume que precisa ser a partir do momento em que resolve contá-la, e os artifícios que usa pra alcançar esse objetivo.

Ao contrário, Baumbach parece ter adquirido uma licença que libera seus filmes da obrigação simples de funcionarem narrativamente, como se o tédio, os tempos mortos e o ritmo quebrado fossem estigma do cinema europeu que o serve de referência (o que, lógico, não é verdade. Tédio é característica de filme ruim, não importa de onde venha). O que Baumbach parece ignorar é que o texto no cinema (por melhor que ele seja) só é funcional quando trabalha em conluio com a câmera, não servindo de nada portanto largá-la num tripé enquanto os atores lêem uns para os outros. Talvez o exemplo mais harmônico fosse Persona – Quando Duas Mulheres Pecam (Persona, 1966) ou O Desprezo (Le Mépris, 1963), mas não precisa ser nada tão radical. Pegue o sóbrio e maravilhoso prólogo de Bastardos Inglórios (Inglorious Basterds, 2008), e como o temperamento do cineasta respira através das menores decisões numa cena que é quase espartana à primeira vista.

Este minimalismo teria servido a Baumbach muito bem, já que O Solteirão, assim como suas duas incursões anteriores na direção (não vi Louco de Ciúmes, de 1997), é filme de um roteirista. E Baumbach tem consciência suficiente dos seus limites para não arriscar ser pedante também com a câmera, o que bastaria se, para compensar, ele não se achasse um gênio na construção dos diálogos, julgando portanto que as falas se bastam e que o olhar da câmera é um luxo supérfluo que, se inserido, desaparecerá naturalmente em meio a tanto talento.

Assim como Kaufman se revelou um desastre sem Spike Jonze em Sinédoque, Nova York (Synecdoche, New York, 2008), talvez Baumbach considere retornar à companhia de Wes Anderson (não que isto seja lá uma grande coisa). Até O Fantástico Sr. Raposo (The Fantastic Mr. Fox, 2009), que é uma animação em stop-motion, tem mais personalidade e elementos propriamente fílmicos do que Baumbach já experimentou durante toda a carreira.

O Solteirão dificilmente agradará quem experimentou a pequena febre por A Lula e a Baleia em 2005, não servirá a quem procura uma comédia de Ben Stiller, e tampouco funciona como mentira (acidental ou não, a esta altura pouco importa). É o ponto sem retorno de Noah Baumbach; daqui para frente já é teimosia.

Nota: não confunda. A única coisa que O Solteirão (Greenberg, de Noah Baumbach) e O Solteirão (Solitary Man, de Brian Koppelman e David Levien) têm em comum é o fato de seus respectivos títulos nacionais não fazerem sentido.

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