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Críticas

Cineplayers

Não se deixe enganar pelo tom do título nacional.

5,0

De duas uma: ou os responsáveis pelo título nacional de Solitary Man não sabem falar inglês, ou não assistiram ao filme. O nome que a obra recebeu aqui no Brasil – O Solteirão – não apenas contraria a natureza do protagonista (afinal, ele não é um solteiro por convicção, mas sim – como, aliás, já indica o título original – um homem só), como também passa uma falsa impressão de que o estilo da película é algo próximo aos filmes de Steve Martin ou, quem sabe, até de Jerry Lewis. Sim, O Solteirão (aff...) possui elementos de comédia, mas o que mais interessa à dupla de diretores Brian Koppelman e David Levien (e ao produtor Steve Soderbergh) é discutir o drama sobre a dificuldade do ser humano – no caso, a dificuldade do sexo masculino – de aceitar a chegada da velhice e os subterfúgios que somos capazes de construir para nos afastarmos de uma realidade que nos atemoriza.

A narrativa começa nos apresentando seu protagonista. Ele se chama Benjamin Kalmen (Michael Douglas). Para os íntimos, apenas Ben. Ele é um homem de sucesso. É conhecido como o vendedor de carros mais honesto de Nova York. É casado com Nancy (Susan Sarandon), a quem conheceu na época da faculdade. A relação dos dois é de carinho. Na inauguração da última concessionária de Ben, Nancy não usou a comissão que ganhou a vendas dos carros em favor próprio, mas sim para comprar ternos para o seu marido. Ben está no consultório médico para uma consulta de rotina. Antes dos exames – ou até por medo do que eles podem revelar – ele usa seu charme para seduzir o médico com alguma promessa de venda. Seu receio tem sentido e os exames de fato detectam alguns dados preocupantes. Algo que pode ser sério. O médico recomenda diagnósticos complementares. De tão apavorado, Ben já nem escuta mais.

Seis anos se passam e vemos o mesmo Ben acordando de manhã. Não há ninguém ao seu lado na cama. Seu primeiro hábito matinal é tomar uma aspirina, que repousa todas as noites no seu criado mudo. Ben olha-se no espelho. Seu aspecto é de cansaço, bem diferente daquele homem carismático e cheio de energia que víramos na cena anterior.

Logo descobrimos que Ben se separou. Mais que isso, a prática de uma fraude o fez perder o direito à concessão da venda dos automóveis. Sua prioridade agora é correr atrás de uma nova licença. Para contornar o nome sujo que adquiriu na praça, quer aproveitar os contatos que Jordan (Mary Louise Parker), sua atual namorada, pode lhe proporcionar. Em troca, ele deve acompanhar Allyson (Imogen Poots), a filha dela, até Boston e indicá-la ao reitor da faculdade em que estudou. Durante a visita ao campus, Ben faz amizade com o tímido Daniel (Jesse Eisenberg), a quem tenta ensinar os macetes de um bom conquistador. Sua estadia na faculdade ao lado de Allyson ainda lhe reserva outros contratempos que influenciarão diretamente a reconstrução da sua vida.

Após uma carreira de sucesso de produtor nos anos 70 (Um Estranho no Ninho e A Síndrome da China), e de ator ao longo da década de 80 e 90 (Wall Steet - Poder e Cobiça, A Guerra dos Roses, Instinto Selvagem, Um Dia de Fúria e Assédio Sexual), Michael Douglas chegou aos anos 2000 à beira de um dilema. Se a década iniciou-se com dois papéis de destaque (Traffic e Garotos Incríveis), no restante do tempo o ator insistiu na onda de policiais (Refém do Silêncio e Sentinela) ou comédias (Até que os Parentes nos Separem e Acontece nas Melhores Famílias) pra lá de esquecíveis. O Solteirão é a primeira oportunidade que Douglas tem de desempenhar um personagem mais complexo, ambíguo, assumidamente antipático, e à altura do seu talento. Considerando o passado (seu alegado vício em sexo) e o presente (a descoberta do câncer na garganta) do ator, é possível especularmos que Ben Kalmen é quase uma autobiografia de Douglas.

Talvez o principal tema de O Solteirão não seja tanto a solidão em si, mas sim os processos de auto-engano e de auto-sabotagem em que o protagonista embarca para, conscientemente ou não, afastar-se de uma verdade que lhe oprime – no caso, a idade e a proximidade da morte.

Após receber a notícia de que seus exames médicos não foram muito animadores, Ben entra em parafuso. De uma hora para outra, passa a colocar sistematicamente em risco os dois grandes alicerces da sua vida: seu casamento e sua concessionária de veículos. Para sabotar o primeiro, resolve trocar de amante com a mesma freqüência com que troca de roupa. Já o segundo, manda às favas a honestidade com que administrava o negócio. Para Ben, ser flagrado pelos interessados com a boca na botija – como ele de fato é, tanto pela esposa, quanto pelas autoridades judiciais – é um fardo menos pesado do que lidar com o fato que mais o atemoriza: ele é um velho.

A idade avançada atrapalha outros dos passatempos de Ben: as mulheres, de preferências as mais jovens. Um dos seus principais receios é ser chamado de pai e avô na frente de uma potencial candidata. Nesses momentos, Ben se assemelha a uma criança que, na ânsia de mostrar uma independência precoce, tem vergonha de mostrar os pais aos colegas.

No fundo, Ben realmente não passa de um adolescente de 60 anos. Ao visitar a faculdade que estudou quando jovem, vê a chance de reviver a época do seu reinado, as festas, a bebida, a paquera, as grandes noitadas. As conversas que tem com David é a chance de destilar todo seu pretenso conhecimento com as mulheres. Ben fala para David, mas talvez a mensagem seja para si mesmo, tentando se auto-convencer que, no quesito sexo, ele ainda não é carta fora do baralho. Ben é um anacronismo ambulante.

Para Ben, as mulheres não são nada além de "possibilidades". Ele não vê nelas algo capaz de proporcionar uma relação duradoura. O sexo feminino parece servir apenas para lhe prover suas necessidades de momento: da ex-esposa, ele espera compreensão; da atual namorada, os contatos que abrirão as portas para uma nova concessionária; da filha, dinheiro; da amiga da filha, sexo rápido.

Outro problema com o qual Ben precisa aprender a conviver é a perda da popularidade. Ao longo de seus anos de glória, seu rosto não saía dos comerciais de televisão e das capas da revista. A primeira cena do filme nos dá algumas dicas da personalidade de Ben quando ainda no seu auge. Ele está de costas para a câmera e aguarda a chegada do médico. Através de uma janela, observa o exterior do consultório. O foco da câmera acentua o fundo do cenário, no que ele vê lá fora. Um mundo a seus pés. Quando o médico o chama, fora do quadro, ele se vira e abre o sorriso mais carismático da sua coleção. O show vai começar! Para o Ben do passado, o dia a dia parecia se assemelhar a um programa de entretenimento, e ele comandava o espetáculo. Mas o tempo passou e agora a realidade é bem diferente. Ele não é mais o leão de antigamente. Para a geração de Allyson ou de David, Ben Kalmen se tornou um ser invisível. Eles nunca o viram na CNN  ou na Forbes. Como se não bastasse a falta de uma família, de uma profissão e de dinheiro, Ben é obrigado a esconder sua vaidade e aceitar que os mais jovens já tomaram o seu lugar. Quem um dia já foi pavão, nunca é fácil perder a majestade.

Se o grande trunfo de O Solteirão é a ambigüidade de seu protagonista, o filme falha em algumas outras passagens da história. O roteiro poderia explorar melhor a dupla Ben e David, tratando-a como algo próximo da relação entre pai e filho. Além disso, há alguns diálogos interessantes entre Ben e sua ex-esposa que, se mais aprofundados, nos dariam mais detalhes sobre o modo de pensar da personagem central. O final aberto, no estilo “Você Decide”, mesmo sendo uma opção adequada, poderia ser mais sutil. E, ainda que não interfira no resultado geral, há um pequeno furo do roteiro, que não explica o fato de o segundo hospital para o qual Ben é levado, não ter percebido os mesmos problemas de saúde detectados pelo médico no início da projeção.

Para uma produção pequena como essa, surpreende o elenco destacado para viver os papéis coadjuvantes. Susan Sarandon está relaxada como a ex-mulher. De um lado, ela sabe que fez a opção certa ao se separar, mas de outro, algo a impede de abandonar Ben por completo (instinto materno?). Danny DeVito faz o ex-amigo de Ben dos tempos da faculdade e que, hoje, administra uma pequena lanchonete no local. Sua moral de vida serve de contraponto a tudo o que é pregado pelo protagonista. Mary Louis Parker, como a atual namorada, é a única que parece não levar Ben a sério. Ela sabe que seu gosto é por mulheres mais novas, e que ele embarcou naquele relacionamento apenas por causa dos contatos do seu pai. Impressiona como Mary amadureceu, ficou mais bonita e melhor atriz. Já Jesse Eisenberg desempenha o papel do adolescente deslocado, gentil e amoroso, que descobre por conta própia o quê as mulheres tem a oferecer. Apesar de os atores serem tão bons – ou até justamente por esse motivo –, o reduzido tempo de exposição de tela de cada um, deixa a sensação de que todos eles estão um pouco desperdiçados.

O Solteirão pode até não atingir todos os objetivos a que se propôs – e, de fato, não atinge –, mas o carisma de Michael Douglas e a complexidade do seu personagem tornam o filme um programa mais atraente do que o esperado.

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