O primeiro trabalho de Joe Wright nos Estados Unidos é superficial e maniqueísta.
Joe Wright saiu de aclamadas adaptações literárias britânicas para tentar sua grande chance nos Estados Unidos, fazendo o que muitos no início de 2008 consideravam o mais forte candidato ao Oscar para o ano seguinte, O Solista. Fazia sentido: Robert Downey Jr. e Jamie Foxx em um drama sobre esquizofrenia, música e superação, baseado numa história real. Parecia a fórmula certa para os membros da Academia. Infelizmente, Wright perdeu completamente a linha, fazendo um longa-metragem chato, simplista e maniqueísta.
A história tenta ser comovente: Downey Jr. vive Steve Lopez, um jornalista do L.A. Times com urgência na busca de uma boa matéria. Ele parece encontrá-la ao descobrir Nathaniel Ayres (Foxx), um sem-teto que toca violino na frente do jornal. A entrevista com Ayres resulta numa série de artigos premiados, e eles viram amigos.
Em nenhum momento encontramos motivos convincentes para Steve prosseguir em sua relação com Nathaniel; não que ele seja uma pessoa sem caráter ou sem coração, mas do jeito que Wright nos apresenta a trama, a relação de Steve com Nathaniel parece ser uma normal de jornalista com o sujeito de uma história. É compreensível que Lopez tenha visto nele um assunto interessante para seus artigos e transformá-lo em livro, mas não que se tenha criado uma relação de cumplicidade e aprendizado mútuo como o filme insinua. Ajudar ele a arrastar seus pertences até o local dos ensaios parece apenas um modo de conseguir uma boa matéria do que realmente uma tentativa de ajudar o próximo.
E é exatamente o oposto que o longa-metragem nos tenta empurrar. O filme se arrasta em tentar nos convencer da transformação que Steve teria realizado em sua relação com Nathaniel, sua família, os outros e consigo mesmo após o convívio com o músico. E seus interesses jornalísticos são sempre tratados como supérfluos, uma barreira contra os sentimentos que deveriam ser verdadeiros, do coração.
O roteiro não consegue oferecer nada aos atores, que ligam o automático. Robert Downey Jr. conquista com seu carisma habitual, mas falha em nos apresentar uma personagem interessante, que consiga segurar o filme. Não é questão de ter motivos especiais ou passar por transformações edificantes. É simplesmente ter uma caracterização convincente com motivos reais. Downey Jr. vive, ao contrário, alguém que somente passa pela tela, um fantasma de alguma personagem real. Ao menos, o ex-intérprete de Chaplin não chega ao nível vergonhoso de Jamie Foxx, que parece compor sua personagem como um homem sem-teto que usa roupas estranhas, tem um cabelo todo peculiar e sai por aí carregando coisas e gritando alto. Em nenhum momento parece que vemos alguém que existiu, apenas uma caricatura mal feita. Já a sempre competente Catherine Keener aparece completamente apagada da trama.
A sub-trama da família Lopez, aliás, é completamente mal aproveitada, e suas cenas soam vazias, provavelmente tendo partes eliminadas na versão final da edição. Falando ainda em família, as cenas de flashback nunca funcionam, não nos explicando nada sobre Nathaniel, sua doença e seu passado.
O final, remediador, é mais triste ainda. Aliás, as coisas só pioram quando Wright ainda nos informa em uma cartela que existem tantos milhares de sem-teto na cidade de Los Angeles, transformando aquele drama que poderia ter sido interessante e humano em um mal da sociedade, o que só agrava o aborrecimento com um discurso tão maniqueísta, mas que acaba complementando perfeitamente o resto do filme.
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