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Sofá

(Sofá, 2019)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Sensível experimento

8,5

Bruno Safadi retorna à sua praça principal, seu campo de atuação no qual ele tão bem se desenvolve partindo de um reconhecimento narrativo, e motivado por uma necessidade de verbalizar mais sobre um universo. Com um pé na narrativa clássica e outro na experimentação de linguagem caro a ele, Sofá (2019) se vale da natureza de seus protagonistas para versar sobre as possibilidades de luz, cor e domínio de realização para, na falta de uma expressão melhor, entreter e prover imenso prazer ao espectador, mesmo debruçado em denúncia de algum tipo. 

No caso, a já abordada desapropriação indevida ocorrida na cidade do Rio de Janeiro durante as Olimpíadas, que legou uma série de desabrigados sociais e emocionais à cidade - tema esse já em vigor no seu longa anterior, O Prefeito (2015), que já propunha uma visão ácida sobre esses acontecimentos - retorna a tais elementos ainda ácido, mas absolutamente embebido em melancolia. Sinal da radicalidade dos tempos que se estabeleça uma mudança tão frontal de um longa a outro, ou esse enfoque pedia uma revalorização do humano? 

O cais do Valongo volta a ser cenário desses desdobramentos sociais, mas Safadi dessa vez tira o enfoque do agente causador para o receptor, especificamente uma vítima fictícia interpretada por Ingrid Guimarães. Joana D'Arc é uma professora despejada que vive hoje em situação de rua e adquiriu distúrbios psicológicos motivados por inúmeras perdas, que destruíram sua estrutura emocional. As esbarrar com Pharaó em iguais condições e com ele dividir algumas desventuras, esse lugar de abandono passa a ser contemplado com zonas confortantes.

Como um pintor diante do branco, Safadi se fascina com cores, texturas e uma singular sensação de liberdade estética mesmo tendo à mão os piões que tem. Todas as possibilidades são testadas, do escroboscópico das luzes ao recorte de imagens em movimento, retrabalhando uma ideia de mise-en-scène como notabilizou Luiz Rosemberg Filho em tantos projetos. Nem sempre os resultados encontrados são positivos, mas sempre transparece a vontade absolutamente genuína de promover novas amplificações imagéticas dentro do cinema.

Impressiona que Safadi tenha encontrado um elenco tão ajustado à sua proposta libertária de condução. Que seus dois protagonistas sejam rostos inseridos em uma máquina global (literalmente) de categorização e manutenção de rótulos é uma vitória pessoal dele em extrair sabedoria cênica tanto da já citada Ingrid quanto de Chay Suede, tratado como galã pela TV. Suas imagens são borradas desde a cena de abertura, quando a atriz tem a rotação de sua cena alterada pra que metaforicamente Ingrid se perceba do avesso; se ela tem interpretação crescente em potência, ele se prova mais uma vez como um ator inteligente, meticuloso, atento, que despeja conhecimento sobre suas criações nuançadas. Seu trabalho é espantoso por conjurar sensibilidade, bom humor e muita argúcia.

Com poucas cenas que o desabone (e todas que o fazem, adentram na produção de maneira a vestir um figurino de relativa canastrice e exagero), 'Sofá' é uma reafirmação do talento criativo de seu diretor, que mais uma vez senta na cadeira de maestro disposto a reescrever uma tradição experimental sempre com muita sensibilidade. 

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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