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Críticas

Cineplayers

Personagens e situações fortes são o ponto alto desse poderoso filme de Clint Eastwood.

8,0

A pior parte, para mim, ao escrever sobre qualquer filme, é a sinopse. Não gosto de escrevê-la, mas há uma boa parte dos leitores que precisam dela para saber do que se trata o filme. Já para os que lêem as matérias após verem o filme, são palavras desperdiçadas. Finalmente, há sempre a possibilidade de se estragar, mesmo que involuntariamente, uma surpresa importante do roteiro. Mystic River é um de meus filmes mais antecipados do ano (pelo menos há uns bons três meses vem sendo assim) e quero me "livrar" rapidamente da sinopse, para falar de outros importantíssimos tópicos. Esse filme está sendo muito comentado, é candidato certo ao Oscar de melhor filme, e a cada dia que passa sua importância vai aumentar, pode marcar essas palavras. Então, o filme corresponde às expectativas? É o melhor trabalho do incrível diretor Clint Eastwood (que é tão bom por trás das câmeras do que quando atua)? Merece os Oscars que muitos já dão como certos para ele? Sean Penn está realmente incrível no filme? Tudo isso será abordado aqui, mas só depois da sinopse...

O filme possui duas linhas de tempo. Numa delas, que é mostrada assim que o filme começa, temos os três amigos até então inseparáveis vivendo num belo lugar, nos subúrbios de Boston: Jimmy (no futuro, quando adulto, interpretado por Sean Penn), Dave (quando adulto, Tim Robbins) e Sean (quando adulto, Kevin Bacon). Após uma cena ótima, tensa, Dave acaba seqüestrado por dois homens pedófilos e fica em cativeiro, sofrendo abusos sexuais por quatro dias, quando escapa. Inicia-se a linha de tempo atual. Os três amigos continuam morando na mesma cidade, mas não são mais amigos: apenas cumprimentam-se cordialmente, quando eventualmente se encontram. Sean agora é detetive do FBI (seu parceiro é Whitey Powers, interpretado por Laurence Fishburne); Jimmy é dono de um pequeno negócio, e é chefe também uma espécie de máfia local, com capangas que investigam e fazem serviços sujos para ele, quando necessário (ainda assim, Jimmy é primeiramente um homem respeitado e vive sob a lei). Finalmente, temos Dave, o menino abusado sexualmente na infância. Dave virou adulto, mas aquela horrível experiência vem acompanhando ele dia-a-dia. É um homem quieto, triste e muito provavelmente infeliz.

Os três possuem esposas, todas elas possuem papéis fundamentais no enredo. Celeste (Marcia Gay Harden, vencedora do Oscar de atriz coadjuvante pelo bom filme Pollock) é a esposa de Dave, e ajuda o marido a carregar o fardo do passado com bastante força. Annabeth (Laura Linney, de A Última Profecia e mais recentemente de Simplesmente Amor) é a esposa de Jimmy, que compactua com o estilo de viver do marido (a máfia local). E temos também a esposa de Sean, o detetive, que separou-se do marido, e agora ambos tentam se entenderem novamente, isso se um dos dois tiver coragem de abrir o coração para o outro novamente. Essas seis pessoas, ou três casais, formam o coração e a alma de Sobre Meninos e Lobos.

Agora, para acabar com a sinopse, vou ter que citar uma passagem importante do filme (é um daqueles motivos pelos quais detesto escrever sinopses), mas essa passagem está no trailer, e é necessária comentá-la para entrarmos na próxima parte da matéria (de qualquer forma, ela está no primeiro terço do filme, e não se configura como uma "surpresa" do roteiro). Após um acontecimento, a belíssima filha de 19 anos de Jimmy é encontrada morta, assassinada por alguém da cidade. Os dois detetives do FBI e a máfia de Jimmy participam de uma investigação paralela para descobrir o culpado, ao mesmo tempo que feridas são abertas para os personagens principais: os três amigos de infância se vêem obrigados a se reencontrarem novamente, só que agora eles sabem que a amizade não existe mais. A partir daí, uma sucessão de fatos, cada vez mais emocionais e intensos, faz com que a vida de todos os personagens seja subitamente revirada de cabeça pra baixo. Quem vai agüentar tamanha pressão? Que mistérios guardam cada um dos personagens?

Pronto! Livrei-me da sinopse. Agora posso me soltar e escrever livremente sobre todos os outros tópicos. Falar mais do que já foi falado sobre a história é desnecessário e perigoso - a não ser que você queira estragar sua experiência ao assistir ao filme. Se essa for a opção, você veio ao lugar errado, pois isso não acontece aqui. Em primeiro lugar, vou comentar o mais óbvio, o que é consenso entre quase todos os críticos, nacionais ou internacionais: o filme é maravilhoso quando entramos nos campos de direção e atuação. Sim, de fato, este é o filme com o melhor elenco, disparado, do ano. Pelo menos até o momento. E para ser sincero, duvido que haja outro elenco melhor este ano. Cold Mountain ou O Retorno do Rei? Pode até ser, mas vai ser penoso para ambos. Sean Penn é considerado por muitos como o melhor ator da atualidade (isso mesmo, melhor que De Niro, Al Pacino ou qualquer outro), opinião não compactuada por mim. Na realidade, acho que criar um ranking de melhores atores é algo bobo e impossível de se fazer (ao contrário de um ranking de melhores filmes), são centenas de nuâncias, elementos externos (escolha do filme, capacidade de direção sobre o ator, etc.), enfim, nunca se poderia mensurar algo assim, com justiça. O que importa é que Sean Penn está sim, entre os melhores da atualidade. E ponto!

Penn já é cotadíssimo para o Oscar desse ano, não só por este filme, mas por 21 Gramas, que deve ser lançado aqui no Brasil em breve, e é outro em que o ator dá um show de atuação. Neste filme, Penn passa por um leque enorme de emoções, desde o comum desejo de vingança até a desconfiança com relação a seus amigos. Todas elas vividas intensamente e com maestria pelo ator. Além dele, temos os outros dois atores que formam o trio de protagonistas. Kevin Bacon, que em minha opinião, é outro ator maravilhoso, e só não pode ser colocado ao lado de Penn justamente por um daqueles fatores externos, dos quais comentei antes: ele não tem capacidade de mostrar coisa melhor pois seus filmes não ajudam muito. Se é problema dele, do seu agente, ou pura má sorte, é outro assunto. O Homem Sem Sombra é um filme de ação bacana, mas não dá pra mostrar muita coisa num filme assim; Ecos do Além é quase a mesma situação: um thriller de terror e suspense que, mesmo acima da média do gênero atual, não exige muito de nenhum ator (mas Bacon está ótimo no filme, mesmo assim)... e daí pra baixo, já são oito anos desde Apollo 13, último filme de real destaque para Bacon, onde mesmo assim foi obscurecido por Tom Hanks. Enfim, o ator consegue sempre boas escolhas, mas estava faltando “A” escolha para mostra do que ele é capaz. Sobre Meninos e Lobos, mesmo não em um papel magnífico (o velho detetive do FBI – é sem dúvida o personagem mais esteriotipado dos três protagonistas), pode muito bem ser essa escolha.

Finalmente temos Tim Robbins que, em minha opinião, é o melhor ator de todo o filme. E ouso dizer mais: se Robbins e Penn disputassem o Oscar (difícil acontecer), gostaria que ele fosse entregue a Robbins. Certamente a força de seu personagem ajuda: é o mais perturbado dos três, foi molestado sexualmente quando criança, e agora vive perturbado, infeliz. Robbins também estava um tanto sumido, depois de sua mais magistral obra-prima como protagonista, Um Sonho de Liberdade, do diretor Frank Darabont, Robbins teve apenas em O Suspeito da Rua Arlington um lugar onde mostrar sua habilidade. A sensação – uma entre tantas – que tive ao estar assistindo Sobre Meninos e Lobos é que o filme serve para reafirmar esse trio de atores em Hollywood. Pelo menos esses dois últimos, já que Sean Penn não precisa e nunca mais vai precisar ter seu talento reafirmado. Só por esse motivo já bato palmas para o filme de Clint Eastwood.

Muitos filmes com grandes interpretações são levados muitas vezes apenas por um ou dois atores. Sobre Meninos e Lobos não sofre disso: além de contar com três belíssimas interpretações do elenco principal, todos – e repito – todos os coadjuvantes que têm alguma importância, por menor que seja, fizeram um trabalho plausível no filme de Eastwood. O trabalho das três atrizes que interpretam as esposas é primoroso. Com exceção da atriz que interpreta a esposa de Sean (não o ator, o personagem, atuado por Kevin Bacon, não esqueça), que mal aparece no filme todo (apenas no final ela fala e seu rosto é exibido), as atrizes de Laura Linney e Marcia Gay Harden são o coração feminino do filme, ao lado de Emmy Rossum, que faz a filha assassinada de Jimmy, num papel pequeno mas bem realizado. Se não fosse por elas, o filme tenderia a ser um grande amontoado de testosterona, homens buscando vingança seja à força bruta ou com a força da lei. Brian Helgeland (escritor experiente, tem roteiros ótimos, como o de L.A. – Cidade Proibida, por exemplo) foi bom o suficiente para balancear bem isso em seu roteiro, que é uma adaptação do romance de Dennis Lahane (infelizmente, não li o livro, não posso avaliar a qualidade do filme como adaptação).

As interpretações dessas duas atrizes (que podem render também indicações ao Oscar) justificam ainda mais o que eu disse anteriormente: esse ano, em termos de elenco, não vai ter filme melhor. Celeste é a melhor personagem feminina do filme, que tem que segurar a barra do marido Dave. Ela sofre com ele, ao mesmo tempo que tem inúmeras dúvidas e confusões em sua cabeça a respeito de certas atitudes dele (veja o filme para saber do que estou falando). Na maioria das vezes, tudo isso é demonstrado apenas pelo olhar. Annabeth também é muito bem retratada pela trabalho de Linney, embora sua personagem seja mais comum e linear (a não ser em uma de suas cenas finais, onde ela demonstra ser uma pessoa diferente do que se pensava). Fechando o elenco de coadjuvantes, temos Fishburne, que soube sair totalmente de seu mais famoso personagem, Morpheus, e tem uma atuação discreta mas ainda assim excepcional, e o grupo de crianças e adolescentes, nas duas linhas do tempo, que complementam o elenco com perfeição. Melhor, não poderia ser... Então falemos agora do responsável por “chefiar” todo esse grupo...

Clint Eastwood é um dos meus atores favoritos de todos os tempos. Participou de inúmeros filmes que hoje são reconhecidamente chamados de obras-primas, como Três Homens em Conflito e Dirty Harry, isso para não falar do filme que também dirigiu, Os Imperdoáveis, do qual falarei um pouquinho mais tarde (mas só um pouquinho mesmo, já que nosso editor Rodrigo já fez uma excelente matéria sobre esse filme). Parece que seu último filme na frente das câmeras foi mesmo o thriller (de qualidade regular, no máximo) Dívida de Sangue, que também dirigiu. Se o rumor de que ele não quer mais voltar a atuar for verdadeiro, fica aqui meu sincero agradecimento a esse maravilhoso ator (Sean Penn ainda tem que malhar muito para chegar ao seu status, porém está trilhando o caminho certo).

Sua maior obra-prima, em termos de direção, é Os Imperdoáveis. O diretor tem outros trabalhos de destaque, como o ótimo romance As Pontes de Madison, mas aquele que hoje é considerado “o último grande faroeste” realmente está acima de todos seus outros trabalhos. Com um roteiro maravilhoso, atuações incríveis (de novo) e cenas perfeitas (como a cena final no saloon), Os Imperdoáveis é um dos melhores filmes do gênero faroeste, mesmo tendo sido lançado quase 30 anos após o ápice do gênero, que foi a década de 60, com os filmes de Sérgio Leone (Três Homens em Conflito, Era Uma Vez no Oeste, entre inúmeros outros). Pois bem, já li muitas opiniões afora a respeito deste Sobre Meninos e Lobos ser seu novo melhor trabalho. Secamente, eu afirmo que não concordo de jeito nenhum (e os pontos negativos da obra, que ilustrarão essa minha opinião, serão vistos logo), embora certamente é o filme que confirma que Eastwood é um diretor totalmente amadurecido, e se este não é seu melhor filme, é pelo menos o mais bem filmado e consistente.

Da parte técnica e artística, todos os elementos que um diretor deve dominar em um filme estão bem realizados em Sobre Meninos e Lobos. Há algumas cenas muito marcantes (sempre lembrando, tudo é ajudado pela qualidade do elenco), como a que Jimmy descobre sobre a morte de sua filha. O diretor “acha” ângulos de câmera incríveis para retratar a dor do pai sofrido. Alguns poderiam dizer que Eastwood estava tentando enfeitar a tragédia, o que não deixa de ser verdadeiro, porém não no sentido negativo, e sim pelo fato daquela cena ser uma das chaves para o filme, e teve que receber o tratamento extra, mais caprichado. Há também muita habilidade nas cenas menores, momentos importantes do roteiro, e uma felicidade sem par na captação das emoções dos atores, tanto que várias vezes me vi absorto, emocionado junto com os personagens. O ritmo que Eastwood dá ao filme também é quase perfeito, com exceção do final (o qual será comentado mais para frente), Sobre Meninos e Lobos passa sem chatear em nenhum momento, mesmo passando bastante das duas horas de projeção.

Claro, mais cedo ou mais tarde os pontos negativos do filme teriam que surgir. Ele não é perfeito (como nenhum filme é), na verdade faltaria muito para ele ser perfeito. Oras, mas então, se a qualidade do elenco não poderia ser melhor, como já foi comentado, a direção é primorosa e sem escorregões, como também foi dito, qual é o problema com Sobre Meninos e Lobos? Os problemas (pra mim são dois problemas maiores) deste filme são totalmente subjetivos, ou seja, eles são baseados na minha opinião, já li comentários que desmereceriam todos eles, e colocariam o filme num patamar maior do que estou colocando, chamando ele de o melhor filme do diretor. Em termos de qualidade geral, Os Imperdoáveis não foi superado pelo diretor, pelo menos não com Sobre Meninos e Lobos. O porquê disso? O roteiro ou mesmo a simples premissa (idéia) do filme.

Os Imperdoáveis não é exatamente um poço de originalidade, mas traz o gênero faroeste a uma esfera um pouco diferenciada do usual: decadente, de personagens nada heróicos e infelizes. Isso por si só já vale o título de obra-prima (mesmo com outros problemas daquele filme, que não serão analisados agora). Sobre Meninos e Lobos não tem esse elemento original, e explico: temos o filme como um todo. Tire as atuações incríveis. Tire a direção primorosa. Tire alguns ótimos momentos do roteiro. O que sobrará? Um drama policial ordinário, com situações pouco originais e final Hollywoodiano (bem, em parte apenas). Sobre o final, eu já chego lá. Mas o resto infelizmente é isso: pode-se dizer que o filme é uma variação não muito original do gênero thriller policial, com fortes pitadas dramáticas, mais um do gênero onde o ponto principal é vingança. Tudo em um pacote comum (o filme), muito bem embalado (a direção e os atores). Muitos críticos, devido à essa qualidade artística que pouco se vê hoje em dia, já estão dando o filme como vencedor certo do Oscar. Não é por aí...

O final! Esse final vem gerando controvérsias. Confesso que teria achado o filme muito melhor se ele acabasse quando... (não leia o próximo parágrafo – e só ele – se não tiver visto o filme ou se importar com surpresas do roteiro):

... quando Jimmy descobre que ele matou a pessoa errada, sentado no meio-fio. Quando o detetive Sean vai contar que acabaram de prender os verdadeiros responsáveis pelo assassinato de sua filha. Seria interessante ver a expressão de horror na cara do ator Sean Penn, ver a tela enegrecer aos poucos e subir os créditos. Iria irritar boa parte do público, mas deixaria a mente da outra parte em êxtase, com um leque de emoções muito maior e mais coisas para pensar depois da sessão. Mas o roteiro insistiu em deixar tudo muito mais esclarecido no final...

O final desnecessariamente estendido, mesmo que ajude a personagem de Laura Linney (que tem seu melhor diálogo nele, e expande muito mais o relacionamento entre ela e o personagem de Penn) é duvidoso em termos de realismo, além de tornar o filme cansativo pela primeira vez, já que o clímax ocorreu logo antes dele, e ele dura vários e vários minutos – não contei quantos para saber ao certo. Finalmente, o que vemos nesse final não corresponde ao que encontramos no filme todo, antes dele. Parece deslocado. Muitos poderão discordar de mim, até porque ele dá respostas definitivas aos acontecimentos e situações. Mas seriam elas realmente necessárias? Eu acho que não.

Bem, acho que chega de falar sobre o filme. Ainda teria assunto para mais alguns parágrafos, desenvolvendo e explicando melhor as atuações de cada ator. Ou poderia simplesmente explicar ponto-a-ponto a história do filme. Mas como eu disse, não é esse meu objetivo. Chamar Sobre Meninos e Lobos de obra-prima é talvez supervalorizar o filme. Chamar as atuações e direção de obras de mestre é, contudo, o mínimo que posso fazer. Não sei se o filme conquistará algum prêmio e quais serão eles. Não é o melhor filme do ano, não é o melhor filme do diretor. Mas é um filme poderoso, forte (não recomendado para crianças por causa do tema), que exige certa atenção para ser apreciado (não vá assistí-lo em grupinho de amigos se pretende fazer zueira dentro do cinema). Valeu o preço do ingresso e a experiência.

Comentários (1)

Rodrigo Laurentino | domingo, 05 de Julho de 2015 - 18:39

Ótimo filme! Penn tinha tudo para ser um dos grandes atores de todos os tempos!

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